A teoria do machismo estrutural, frequentemente discutida no contexto das ciências sociais, sugere que as desigualdades de gênero, especialmente aquelas que favorecem os homens, são perpetuadas por estruturas sociais e culturais profundamente enraizadas. Essa perspectiva, no entanto, muitas vezes carece de uma base empírica robusta e desconsidera insights fornecidos por estudos em neuroevolução e psicologia comportamental, como os explorados por Robert Cialdini em seu livro Influence: The Psychology of Persuasion. Este artigo examina como as pesquisas em neuroevolução e os conceitos de reação automática e controlada apresentados por Cialdini desafiam a narrativa do machismo estrutural, destacando a falta de sustentação empírica dessa teoria social.

Enquanto ideologias erguem véus sobre a realidade, o verdadeiro espírito científico — aqui encarnado na figura do astrônomo — busca a ordem nas evidências, não no consenso. Com os olhos voltados para o céu e as mãos firmes sobre os instrumentos da razão, ele representa a oposição entre a luz do real e as trevas da narrativa. Seu gesto denuncia: não há justiça possível onde se proíbe o olhar.
Reações Automáticas e Controladas em Cialdini
Robert Cialdini, em Influence, explora como os seres humanos frequentemente tomam decisões baseadas em atalhos cognitivos, ou “reações automáticas”, que são respostas rápidas e instintivas moldadas por pressões evolutivas. Ele afirma:
“Nós usamos esses atalhos porque a complexidade do mundo moderno exige que tomemos decisões rapidamente, muitas vezes sem tempo para uma análise completa”
— Cialdini (2021, p. 6)
Essas reações automáticas contrastam com as “reações controladas”, que envolvem processos cognitivos mais deliberados e conscientes, frequentemente modulados por contexto social e aprendizado cultural.
No contexto de viés sexual, Cialdini sugere que homens e mulheres podem exibir diferenças em suas respostas automáticas devido a fatores evolutivos, como estratégias reprodutivas distintas. Ele observa:
“Os seres humanos, como outros animais, desenvolveram comportamentos que maximizam a sobrevivência e a reprodução, muitas vezes de forma inconsciente.”
— Cialdini (2021, p. 12)
Essas diferenças não implicam superioridade de um gênero sobre o outro, mas refletem adaptações evolutivas que moldaram preferências e comportamentos ao longo de milênios.
Contribuições da Neuroevolução para o Comportamento Humano
A neuroevolução, ao integrar achados da neurociência com pressupostos da psicologia evolutiva, tem evidenciado com rigor empírico que muitos comportamentos humanos — inclusive diferenças observáveis entre homens e mulheres — são frutos de adaptações biológicas moldadas ao longo da evolução, e não de construções sociais arbitrárias.
David Buss, pioneiro da psicologia evolutiva, afirma categoricamente:
“As diferenças sexuais em estratégias de acasalamento são resultado de pressões seletivas distintas: homens tendem a priorizar a fertilidade e a juventude, enquanto mulheres frequentemente buscam parceiros com recursos e status.”
— Buss (1989, p. 2)
Essas estratégias comportamentais são universais, replicáveis em estudos transculturais e não dependem de contextos históricos ou instituições patriarcais. Trata-se de padrões adaptativos recorrentes, não imposições sociais.
A neurociência reforça essa interpretação ao identificar diferenças funcionais claras em áreas cerebrais associadas à cognição e emoção, como a amígdala e o córtex pré-frontal. Um estudo publicado na Scientific Reports (2019) indicou que identidades sexuais e sociais modulam diretamente respostas automáticas a estímulos, de forma previsível e mensurável.
Essa previsibilidade biológica torna insustentável qualquer teoria que, como o “machismo estrutural”, pretenda explicar as diferenças entre os sexos apenas com base em opressões institucionais. Ao ignorar tais dados, a teoria abdica do método científico em nome de uma narrativa ideológica.
Contradições à Teoria do Machismo Estrutural
A teoria do machismo estrutural sustenta que as desigualdades entre homens e mulheres decorrem de um sistema de dominação culturalmente reproduzido, no qual os homens estariam sistematicamente em posição de privilégio. No entanto, essa formulação falha em três níveis fundamentais: evidência empírica, consistência lógica e poder preditivo.
Em primeiro lugar, ao atribuir comportamento masculino e feminino exclusivamente a construções sociais, essa teoria colide frontalmente com décadas de estudos replicáveis em neurociência e psicologia evolutiva. Sarah Hrdy, uma das mais respeitadas antropólogas evolucionistas, refuta a ideia de submissão natural da fêmea:
“As fêmeas de muitas espécies, incluindo humanas, não são passivas ou ‘coy’, mas implementam estratégias de acasalamento flexíveis e assertivas.”
— Hrdy (1981, p. 15)
Essa constatação não apenas desmistifica o mito da passividade feminina como também evidencia que a teoria do machismo estrutural — ao ignorar dados evolutivos — reconstrói artificialmente o papel da mulher a partir de um viés ideológico de vítima permanente.
Além disso, a teoria do machismo estrutural é epistemologicamente circular: parte da hipótese de opressão, interpreta qualquer dado por esse prisma e depois a reafirma como se fosse prova. Ausência de refutabilidade é o que Popper chamou de pseudociência.
Por fim, ao desconsiderar fatores neurobiológicos e reações automáticas (como as documentadas por Cialdini), essa teoria torna-se incapaz de explicar, por exemplo, a ocorrência de comportamentos semelhantes entre os sexos mesmo em culturas isoladas e não patriarcais.
Crítica à Falta de Sustentação Empírica
O machismo estrutural é amplamente promovido em ambientes acadêmicos e institucionais, mas não resiste a uma análise baseada em critérios científicos. Seu maior problema é a ausência de evidência empírica robusta que o sustente como modelo explicativo predominante para diferenças de gênero.
Steven Pinker adverte:
“Teorias sociais que atribuem todo comportamento humano a estruturas culturais frequentemente ignoram dados biológicos e evolutivos, o que leva a explicações simplistas para fenômenos complexos.”
— Pinker (2002, p. 112)
Na prática, o que se encontra nos estudos que embasam a teoria é um repertório limitado a entrevistas qualitativas, estudos de caso isolados e analogias especulativas — sem controle de variáveis, sem replicabilidade e sem correlação estatística robusta.
A crítica contemporânea à psicologia evolucionista por parte dos defensores do machismo estrutural não ocorre por meio da refutação de seus dados, mas por sua exclusão do debate. Isso não é ciência — é dogma.
Como demonstrado por estudos publicados na Evolutionary Human Sciences (Cambridge University Press, 2023), atribuir as desigualdades exclusivamente a estruturas sociais ignora a complexidade das interações entre biologia, cultura e escolha individual. Isso é especialmente grave quando se utiliza a teoria como base para políticas públicas ou decisões judiciais, transformando crenças militantes em instrumento de coerção estatal.
A Falácia Naturalista e o Esvaziamento do Debate Científico
Uma das reações mais comuns — e frágeis — à psicologia evolutiva por parte dos defensores da teoria do machismo estrutural é a invocação da chamada “falácia naturalista”. Segundo esse argumento, o simples fato de algo ter raízes biológicas ou ser “natural” não significa que ele deva ser aceito ou moralmente justificado.
Embora essa distinção entre ser e dever ser (fato e valor) seja válida no plano ético, seu uso como objeção científica é falacioso. Como bem observou o filósofo Edward O. Wilson:
“O propósito da biologia evolutiva não é prescrever moralidade, mas descrever tendências humanas que surgiram por adaptação. Ignorar tais tendências por objeção moral é como recusar dados sobre gravidade por serem ‘injustos’.”
— Wilson, 1975
Steven Pinker reforça essa crítica:
“Apontar um traço como parte da natureza humana não é endossá-lo. O mesmo argumento foi usado no passado para atacar Darwin — e com os mesmos equívocos.”
— Pinker (2002, p. 179)
O uso indevido da falácia naturalista tem permitido que ideologias como o machismo estrutural descartem a biologia como se fosse um risco ético, quando na verdade ela fornece insumos objetivos para a compreensão das diferenças humanas. Rejeitar dados neuroevolutivos por medo de justificações morais é recusar a ciência com base em crenças ideológicas.
Além disso, o próprio machismo estrutural incorre na falácia inversa: a de que, por algo ser injusto ou indesejável, deve necessariamente ter origem social e estar sujeito à reconstrução política. Trata-se de um reducionismo tão dogmático quanto o que dizem combater.
Implicações para Políticas Públicas e Epistemologia Social
A adoção acrítica do machismo estrutural como premissa em políticas públicas, jurisprudência e educação representa uma distorção epistemológica com consequências severas. Ao operar com base em uma teoria não validada empiricamente, o Estado incorre no risco de violar princípios de imparcialidade, simetria jurídica e dignidade humana.
Exemplos disso são observados em protocolos judiciais com “perspectiva de gênero”, que invertem o ônus da prova, relativizam o contraditório e criam classes presumidas de opressor e oprimido — tudo em nome de uma estrutura invisível que não se submete a testes empíricos. Tal estrutura, por sua própria definição, é imune à refutação: qualquer dado contrário é descartado como exceção ou produto da própria opressão.
Trata-se, portanto, de um modelo autoimune à crítica, como advertia Karl Popper sobre sistemas ideológicos que se blindam contra a falsificação:
“A característica central da ciência é a sua refutabilidade. Quando uma teoria não pode ser falseada nem em princípio, ela pertence ao campo da metafísica — ou da propaganda.”
— Popper (1934)
Do ponto de vista da epistemologia social, o machismo estrutural se apresenta mais como um mito funcional — útil para determinados grupos ativistas — do que como um modelo científico de análise social. Substitui a busca pela verdade por narrativas de poder, e a investigação objetiva por doutrinação emocional. O resultado é a erosão da racionalidade pública e o sequestro da ciência por interesses identitários.
Conclusão: Pela Superação do Dogma e a Reconciliação com a Evidência
Ao integrar as descobertas da neuroevolução, os estudos de comportamento automático descritos por Cialdini e as evidências replicáveis da psicologia evolutiva, torna-se insustentável a manutenção do “machismo estrutural” como explicação abrangente para as diferenças entre os sexos.
O comportamento humano é moldado por uma complexa interação entre fatores biológicos, históricos, culturais e circunstanciais. Negar qualquer desses vetores — especialmente os biológicos — por motivos ideológicos não é apenas anticientífico: é intelectualmente desonesto.
A superação do dogma exige coragem epistêmica. Como escreveu Viktor Frankl:
“Entre o estímulo e a resposta existe um espaço. Nesse espaço está o nosso poder de escolher nossa resposta. Na nossa resposta está o nosso crescimento e nossa liberdade.”
— Frankl (1946)
É nesse espaço — entre os impulsos biológicos e as construções sociais — que devemos buscar um entendimento mais honesto da condição humana. Não para justificar injustiças, mas para combatê-las com base na verdade, e não na ideologia.
Uma teoria que ignora a realidade empírica para preservar coerência política não é científica — é sacerdotal. E não cabe à ciência ocupar o púlpito dos dogmas.
Referências
BUSS, David M. Sex differences in human mate preferences: evolutionary hypotheses tested in 37 cultures. Behavioral and Brain Sciences, v. 12, n. 1, p. 1–49, 1989.
CIALDINI, Robert B. Influence: The Psychology of Persuasion. New York: Harper Business, 2021.
HRDY, Sarah B. The Woman That Never Evolved. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1981.
PINKER, Steven. The Blank Slate: The Modern Denial of Human Nature. New York: Viking, 2002.
SCIENTIFIC REPORTS. An fMRI study on the neural correlates of social conformity to a sexual minority. Scientific Reports, v. 9, 2019. DOI: 10.1038/s41598-019-40447-3.
CAMBRIDGE UNIVERSITY PRESS. The use and misuse of evolutionary psychology in online manosphere communities: The case of female mating strategies. Evolutionary Human Sciences, v. 5, 2023. DOI: 10.1017/ehs.2023.7.
POPPER, Karl. The Logic of Scientific Discovery. London: Routledge, 1934.
WILSON, Edward O. Sociobiology: The New Synthesis. Cambridge: Harvard University Press, 1975.
FRANKL, Viktor E. Man’s Search for Meaning. Boston: Beacon Press, 1946.