A obrigação alimentar, tradicionalmente concebida como expressão da solidariedade familiar e do dever recíproco de cuidado entre os membros da família, encontra seus limites quando essa relação é pervertida por comportamentos ofensivos, desleais ou profundamente hostis. O Ordenamento Jurídico Brasileiro, atento a esse desequilíbrio, prevê no parágrafo único do artigo 1.708 do Código Civil a possibilidade de cessação do direito a alimentos nos casos de procedimento indigno do credor em relação ao devedor, conforme se verifica:
Art. 1.708. Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos.
Parágrafo único. Com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor.
Mas o que, juridicamente, configura indignidade alimentar?
Trata-se de um conceito jurídico indeterminado que deve ser interpretado à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana, da boa-fé e da ética relacional. Em termos práticos, compreende-se como indigno aquele comportamento que revela profundo desrespeito, ingratidão ou agressividade por parte do credor em face daquele de quem se exige a prestação alimentar — seja esse comportamento manifestado em atos concretos de violência física, psicológica, manipulação judicial ou mesmo em reiterada violação dos deveres morais e afetivos.
No contexto do Instituto de Defesa dos Direitos do Homem (IDDH), essa discussão é mais do que teórica: é realidade cotidiana. Homens liados ao Instituto frequentemente enfrentam situações extremas, nas quais são alvos de perseguição sistemática por parte das genitoras de seus filhos — e, não raramente, dos próprios filhos. São vítimas de estratégias processuais abusivas, falsas denúncias, campanhas difamatórias e alienação parental que culminam em verdadeiro lawfare familiar: um uso deturpado e reiterado do sistema de justiça como forma de desgaste psicológico, financeiro e moral.
Nesse cenário, a obrigação alimentar, longe de representar um vínculo solidário, converte-se em um instrumento de punição. Muitos desses homens chegam à falência, ao colapso emocional, e vivenciam estados de sofrimento tão agudos que verbalizam, com frequência, o desejo de não mais existir. Ignorar esse quadro sob o pretexto da inviolabilidade do dever alimentar é perpetuar um ciclo institucional de violência invisível, cujas consequências podem ser fatais.
É nesse ponto que o instituto da indignidade assume papel essencial: reconhecer que o dever de prestar alimentos exige um mínimo de respeito ético por parte de quem o recebe. O credor que humilha, agride, persegue ou instrumentaliza o poder judiciário para atacar o devedor perde a legitimidade moral de exigir subsistência daquele que já foi privado de sua paz, de sua honra e, frequentemente, de sua convivência com os próprios filhos.
O artigo 1.708, parágrafo único, deve ser interpretado em conjunto com os artigos 1.814 e 557 do Código Civil, que tratam da exclusão da herança por indignidade e da revogação da doação por ingratidão, respectivamente. A analogia é válida: se o direito sucessório pode ser extinto por comportamento ofensivo, o mesmo deve ocorrer com a pensão alimentícia quando esta é exigida por alguém que já destruiu, por completo, o vínculo afetivo e moral que a fundamentava. Doutrinadores como Giselda Hironaka sustentam que a obrigação alimentar não pode subsistir quando configurado o abuso de direito, a má-fé, ou o desrespeito gravíssimo ao dever de convivência e lealdade familiar. Veja-se:
[…] e é o procedimento indigno um dos únicos casos em que,
independentemente de haver real situação de dependência econômica
ou afetiva do credor ou alimentando, seu direito a alimentos tão
sacrossantamente defendido a partir de abordagens inspiradas na
dignidade humana pode simplesmente ser extinto.
Conforme se verifica, a prestação de alimentos, nesses casos, deixa de ser dever e passa a ser injustiça — uma perpetuação jurídica de uma relação já extinta em sua essência. É urgente que os tribunais brasileiros passem a acolher, com coragem e sensibilidade, pedidos de exoneração de alimentos fundados em procedimento indigno. Não se trata de revanchismo, mas de reafirmação do direito à dignidade de quem tem sido vítima de ataques permanentes travestidos de obrigações parentais. A solidariedade familiar não pode ser unilateral — ela se sustenta na reciprocidade ética, princípio sem o qual o Direito perde sua função civilizatória.
Ao final, o Direito não pode compactuar com relações jurídicas que impõem o sofrimento contínuo de um ser humano em nome de um vínculo que já foi desfeito, não apenas pela ausência de afeto, mas pela presença reiterada de violência. Reconhecer a indignidade como causa legítima de exoneração da obrigação alimentar é, em última instância, um ato de justiça e de humanidade.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União:
seção 1, Brasília, DF, p. 1-15, 11 jan. 2002. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 25
mai. 2025.
CARDOSO, Fabiana Domingues. A indignidade do credor de alimentos como causa de
exoneração e revisão do pensionamento no Direito de Família brasileiro. 2017. Tese
(Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 13. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2020.
HIRONAKA, Giselda. A dignidade como causa de escusabilidade do dever de alimentar.
IBDFam. Disponível em: https://ibdfam.org.br/assets/upload/anais/130.pdf. Acesso em
25 mai. 2025.