Este ensaio propõe uma análise crítica da desconstrução da masculinidade tradicional no contexto das políticas de gênero promovidas internacionalmente, com ênfase nos efeitos simbólicos, sociais e jurídicos produzidos por essa reengenharia cultural. Fundamentado nas críticas de Juan Claudio Sanahuja, Warren Farrell, Teun van Dijk e Jean Baudrillard, o texto argumenta que o discurso dominante sobre igualdade de gênero, ao ser instrumentalizado por certos organismos internacionais e elites políticas, tem promovido uma culpabilização estrutural dos homens, apagando experiências legítimas de sofrimento e sacrificando a complementaridade entre os sexos em nome de uma nova ortodoxia identitária. São examinadas as estratégias discursivas, os impactos culturais e as consequências sociais dessa demonização institucionalizada do masculino, com atenção especial às distorções geradas no campo educacional, familiar e jurídico.
Palavras-chave: masculinidade; ideologia de gênero; desconstrução; misandria; discurso; reengenharia social.
1. Introdução
Ao longo das últimas décadas, o debate global sobre igualdade de gênero passou por uma transformação paradigmática. Aquilo que inicialmente parecia uma agenda voltada à ampliação dos direitos das mulheres e à correção de desigualdades históricas assumiu, em diversos contextos, o contorno de um projeto mais amplo de reengenharia simbólica e antropológica. No centro dessa transformação está a figura do homem — especialmente o homem associado a papéis tradicionais de provisão, proteção, liderança familiar — que se tornou objeto de crescentes campanhas de suspeição, deslegitimação e culpabilização coletiva.
Autores como o monsenhor Juan Claudio Sanahuja identificam nesse processo um elemento central da “nova religião secular” promovida por organismos internacionais como a ONU e seus órgãos correlatos. Para Sanahuja (2005), sob o pretexto da igualdade e da saúde reprodutiva, essas instituições operam uma substituição de valores morais objetivos por uma ética relativista e identitária, em que o homem é recodificado como obstáculo à justiça social (SANAHUJA, 2005, p. 187-190).
Neste ensaio, sustenta-se que a chamada “guerra contra a masculinidade” configura um eixo essencial da reengenharia simbólica em curso. Amparando-se nos estudos de Warren Farrell sobre a falsidade do “poder masculino” (1993), nas análises discursivas de Teun van Dijk (2008) e na crítica cultural de Jean Baudrillard sobre a “nova ordem das vítimas” (1995), demonstra-se que a demonização institucionalizada do homem não apenas distorce a realidade histórica, mas também engendra injustiças simétricas sob o disfarce da justiça. Tal processo não conduz à verdadeira igualdade, mas à substituição de um desequilíbrio por outro.

2. A demonização estrutural do masculino
No vocabulário da teoria de gênero, o termo “patriarcado” se consolidou como metanarrativa explicativa de todas as desigualdades entre os sexos. Ele postula que os homens, enquanto classe, dominaram estruturalmente as mulheres ao longo da história, monopolizando poder e oprimindo sistematicamente o feminino. Embora tal conceito tenha valor analítico em certos contextos históricos, sua generalização abstrata converteu-se, muitas vezes, em uma forma de imputação coletiva de culpa.
Nas palavras de Sanahuja (2005), “a ideologia de gênero inverte o sentido natural da complementaridade entre homem e mulher, transformando o masculino em uma ameaça ontológica a ser reeducada ou extinta” (p. 193). Em outras palavras, o homem, especialmente aquele que desempenha com naturalidade funções de liderança, provisão ou autoridade no âmbito familiar, passa a ser representado como um agente potencial de opressão. Sua identidade é desqualificada antes mesmo da ação, com base em uma “herança estrutural” que o torna culpado por ser quem é.
Esse fenômeno é reforçado no plano educacional, onde o comportamento típico dos meninos — impulsividade, competição, energia física — é frequentemente tratado como desvio a ser corrigido, enquanto o perfil ideal de conduta corresponde a traços tradicionalmente femininos, como docilidade, obediência e expressão emocional contínua (FARRELL, 1993, p. 17-19). A escola torna-se, assim, o primeiro campo de treinamento para a desconstrução do masculino.
No campo jurídico, nota-se a proliferação de leis e protocolos que, sob o argumento da proteção da mulher, passam a pressupor a culpabilidade do homem — mesmo na ausência de provas. A inversão do ônus da prova em casos de violência de gênero, os tribunais especializados em “violência masculina” e as diretrizes judiciais baseadas em “perspectiva de gênero” apontam para uma engenharia jurídica fundada em princípios identitários, que afrontam a imparcialidade e a presunção de inocência.
3. O “poder masculino” como mito
A desconstrução da masculinidade tradicional fundamenta-se, frequentemente, na ideia de que os homens são “os poderosos” da sociedade. A crítica de Warren Farrell, no entanto, desmente esse axioma. Em sua obra seminal The Myth of Male Power (1993), Farrell afirma que “os homens não são o sexo poderoso, mas o sexo descartável” (FARRELL, 1993, p. 21). Para ele, o poder real consiste em controle sobre a própria vida — e os homens, tradicionalmente, foram educados para servir aos outros, não para si mesmos.
Farrell sustenta que os papéis masculinos tradicionais — provedor, guerreiro, chefe de família — foram formas de autocancelamento, nas quais o homem assumia riscos, responsabilidades e sacrifícios em nome do bem-estar alheio. “Nenhuma sociedade pode chamar de privilegiado aquele grupo que, em caso de guerra, é o único compelido a morrer” (FARRELL, 1993, p. 24). Assim, os homens morrem mais cedo, têm maior risco de suicídio, lideram estatísticas de acidentes de trabalho e são mais afetados por exclusão parental em separações judiciais — e, ainda assim, são classificados como os privilegiados.
Em obras posteriores, como The Boy Crisis (FARRELL; GRAY, 2018), o autor aprofunda sua análise ao mostrar que os meninos estão em crise em termos educacionais, afetivos e psicológicos, ignorados por políticas públicas que priorizam apenas a promoção da mulher. A ausência paterna, a falta de modelos positivos e o desestímulo às virtudes masculinas têm gerado gerações de jovens homens desorientados, hipersensíveis ou apáticos, sem projeto de vida e alvos fáceis para ideologias radicais.
“Chamamos de ‘direitos das mulheres’ à compensação por sua exclusão histórica, mas recusamos aos homens até mesmo o reconhecimento de suas obrigações mortais” (FARRELL, 1993, p. 19).
4. Discurso, manipulação e a construção da culpa masculina
A naturalização da culpabilidade do homem não se impôs apenas por meio de leis ou políticas públicas, mas por um processo discursivo reiterado, cuja eficácia repousa no controle da linguagem. O linguista Teun van Dijk (2008) define manipulação como “uma forma de abuso simbólico de poder, que envolve o controle da cognição social de um grupo por outro, em detrimento dos interesses dos manipulados” (VAN DIJK, 2008, p. 88). Em outras palavras, o discurso institucional pode ser estruturado de modo a induzir aceitação de ideias sem questionamento crítico.
Aplicando essa teoria à retórica de gênero, vê-se que termos como “poder masculino”, “masculinidade tóxica” e “violência de gênero” são utilizados com carga moral negativa, construindo associações inconscientes entre ser homem e ser opressor, violento ou perigoso. Simultaneamente, silencia-se sobre indicadores objetivos de sofrimento masculino: a maior taxa de suicídio entre homens, o abandono escolar de meninos, a ausência de políticas de saúde voltadas ao sexo masculino.
Van Dijk adverte que a manipulação retórica funciona através de eufemismos e hipérboles. Assim, a recusa de um aborto é chamada de “tortura”, e a simples defesa da complementaridade entre os sexos é qualificada como “discurso de ódio” (VAN DIJK, 2008, p. 92). O mesmo se aplica à masculinidade: seus traços típicos são patologizados e recodificados como ameaças sistêmicas.
A demonização do homem, portanto, é linguisticamente induzida: cria-se um novo alfabeto moral em que ser homem é, por si, suspeito. A linguagem educativa, midiática e jurídica naturaliza esse julgamento coletivo, de modo que a masculinidade passa a ser algo a ser desconstruído, nunca respeitado.
5. Baudrillard e a nova ordem das vítimas
O culto à identidade ferida e à vitimização permanente foi diagnosticado por Jean Baudrillard como o núcleo simbólico das democracias tardias. Em The Perfect Crime (1995), Baudrillard descreve o advento de uma “nova ordem das vítimas”, na qual a superioridade moral decorre da dor, da carência ou da exclusão — não mais da virtude ou do mérito.
“A nova identidade é a identidade de vítima. Tudo está organizado em torno do sujeito carente, frustrado, handicappado, e a estratégia da vítima consiste em ser reconhecida enquanto tal” (BAUDRILLARD, 1995, p. 83).
Nesse contexto, o homem tradicional, por não ocupar a posição de “identidade ferida”, torna-se símbolo de opressão histórica. Ele é o culpado necessário, o agente do “crime perfeito” que precisa ser expiado. A masculinidade vira uma falha moral a ser corrigida, uma herança tóxica a ser sublimada. O paradoxo é que essa inversão simbólica ocorre sob a bandeira dos direitos humanos — que deixam de ser universais para se tornarem uma “terapia identitária”.
Baudrillard nota ainda que a linguagem se torna o campo de batalha central dessa guerra simbólica. “Lava-se a linguagem como se lava dinheiro sujo”, diz ele — substituindo palavras como “homem” por “pessoa com pênis”, e “pai” por “progenitor 1”. Essa assepsia verbal esconde a violência cultural por trás da pseudocompaixão.
6. Consequências sociais e erosão civilizatória
A guerra simbólica contra a masculinidade não é um fenômeno meramente retórico. Seus efeitos concretos podem ser observados em múltiplas dimensões:
- Crise de identidade masculina: Meninos sem modelos positivos e sob constante repreensão moral por seu sexo biológico crescem confusos, apáticos ou revoltados.
- Evasão escolar masculina: Em muitos países ocidentais, os meninos já são a maioria dos desistentes escolares, o que compromete sua empregabilidade futura.
- Suicídio e sofrimento psíquico: Homens lideram as taxas de suicídio, mas campanhas de saúde mental raramente os contemplam como grupo de risco.
- Exclusão paterna: A jurisprudência familiar frequentemente favorece o monopólio materno na guarda de filhos, ignorando o papel insubstituível do pai.
- Misandria institucionalizada: O discurso político e educacional retrata a masculinidade como algo a ser vigiado, reeducado e desconstruído, não como valor positivo.
Como observa Sanahuja (2005), “a ruptura da complementaridade entre homem e mulher não promove igualdade, mas conflito. Substitui a cooperação pela desconfiança, e a civilização pelo ressentimento” (p. 201). A erosão da masculinidade não é um avanço social, mas um retrocesso antropológico.
7. Conclusão
A guerra contra a masculinidade, sob a aparência de progresso e justiça social, constitui uma das expressões mais profundas da crise antropológica contemporânea. Ao desqualificar simbolicamente o homem, negando-lhe dignidade em sua identidade natural e em seus papéis tradicionais, a reengenharia social global promove uma nova forma de desigualdade — agora legitimada em nome da equidade.
Como propõe Warren Farrell, é possível e desejável buscar igualdade entre os sexos. Mas essa igualdade não será alcançada culpabilizando coletivamente metade da humanidade, tampouco apagando as diferenças que fundam a complementaridade entre homens e mulheres. O verdadeiro caminho passa por reconhecer que tanto homens quanto mulheres enfrentaram sacrifícios históricos, e que justiça não se alcança punindo os inocentes de hoje pelos pecados estruturais do passado.
Referências
BAUDRILLARD, Jean. The Perfect Crime. Londres: Verso, 1995. ISBN 978-1859840728.
FARRELL, Warren. The Myth of Male Power: Why Men Are the Disposable Sex. Nova Iorque: Berkley Trade, 1993. ISBN 978-0425181447.
Disponível em: https://sobrief.com/books/the-myth-of-male-power
Acesso em: 28 jul. 2025.
FARRELL, Warren; GRAY, John. The Boy Crisis: Why Our Boys Are Struggling and What We Can Do About It. Dallas: BenBella Books, 2018. ISBN 978-1942952718.
SANAHUJA, Juan Claudio. Poder global y religión universal. Buenos Aires: Vortice, 2005. ISBN 9872246107.
VAN DIJK, Teun A. Discurso e manipulação. Cadernos de Linguagem e Sociedade, v. 9, n. 2, p. 85-106, jul./dez. 2008.
Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/les/article/view/6049
DOI: 10.26512/les.v9i2.6049