A recente declaração da senadora Damares Alves, no contexto da votação pela revogação da Lei nº 12.318/2010 — a Lei de Alienação Parental — revela uma perigosa inversão de valores que tende a fragilizar ainda mais os vínculos familiares, especialmente o direito fundamental da criança de conviver com ambos os genitores. Ao afirmar que a revogação da norma teria sido impulsionada por um “lobby masculino”, e que muitos pais estariam instrumentalizando a lei para afastar mães dos filhos, a senadora incorre em uma generalização que desconsidera não apenas os dados reais, mas o sofrimento concreto das vítimas da alienação parental — crianças inocentes que, em sua maioria, são privadas do afeto de um dos genitores por manipulações cruéis e sistemáticas.
Ao contrário do que sugerem seus críticos, a Lei de Alienação Parental não foi criada para punir mães, tampouco para atender a interesses de genitores inadimplentes ou ressentidos. Sua finalidade precípua, conforme disposto em seu artigo 1º, é “assegurar à criança ou ao adolescente o direito à convivência familiar saudável, prevenindo e coibindo atos de alienação parental”. Ou seja, trata-se de uma legislação protetiva, voltada à garantia dos direitos fundamentais da criança — particularmente, os previstos nos arts. 227 da Constituição Federal e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990).
A revogação dessa norma, sob o argumento de que alguns de seus dispositivos teriam sido mal aplicados, equivale a condenar toda a estrutura jurídica de proteção por causa de distorções pontuais que deveriam, isto sim, ser corrigidas por meio de mecanismos de fiscalização, capacitação técnica e responsabilização de maus profissionais, não por sua anulação total.
É preciso frisar que a alienação parental é uma realidade constatada em inúmeros estudos nacionais e internacionais, sendo reconhecida como forma de abuso psicológico. Sua manifestação compromete a formação emocional da criança, podendo gerar transtornos duradouros, como depressão, distúrbios de identidade, dificuldades de socialização, e até tentativas de suicídio na adolescência ou vida adulta. A revogação da lei ignora esse sofrimento silencioso em nome de uma retórica política que transforma exceções em regra e legitima a perpetuação de práticas danosas no seio familiar.
É sintomático que se tente desconstruir a lei sob a alegação de que ela teria sido usada “de forma indevida por homens contra mulheres”. Ora, qualquer lei está sujeita a desvios de aplicação — o que não justifica sua supressão, mas sim o aperfeiçoamento de suas práticas de implementação. Se seguirmos tal lógica, deveríamos revogar a Lei Maria da Penha toda vez que ela for instrumentalizada para afastar homens inocentes de seus lares por falsas denúncias?
A revogação da Lei de Alienação Parental atende, lamentavelmente, à conveniência do alienador. Trata-se de um erro legislativo cujos efeitos nocivos só serão plenamente percebidos nas próximas gerações, quando jovens adultos, marcados pela ausência forçada de um dos genitores, passarem a ocupar os consultórios terapêuticos e, quiçá, os tribunais. A criança, em sua fase mais vulnerável, precisa de proteção contra manipulações afetivas e rupturas artificiais de vínculos parentais. E essa proteção jurídica, que acaba de ser retirada pelo Senado, correrá na Câmara tão rápido quanto adversários políticos são capazes de se unir, se o tema lhes interessar, ainda que em detrimento de um bem social. Lamentável
Enquanto sociedade, perdemos um importante instrumento de defesa das vítimas e oferecemos um salvo-conduto a quem pratica, muitas vezes de forma premeditada e cruel, a ruptura do vínculo afetivo entre pais e filhos. Permanecerei, enquanto houver voz e razão, em defesa da convivência familiar, da verdade dos laços afetivos e da dignidade da infância.
A revogação da Lei nº 12.318/2010 não representa justiça — representa omissão.