O uso da Lei Henry Borel pelas mulheres como instrumento de alienação parental contra os pais dos seus filhos
1. Contextualização da Lei Henry Borel
A Lei Maria da Penha criou mecanismos para inibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, definindo as formas de violação, estimulando a assistência da mulher nessa situação, bem como, primordialmente, elencou medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor e em favor da ofendida.
No entanto, embora a violência contra crianças e adolescentes se mostrasse como uma triste realidade que sempre se fez presente em nossa sociedade, tratando-se também de grupo de pessoas em situação de vulnerabilidade, não se havia introduzido no ordenamento jurídico brasileiro um instrumento legal que, assim como ocorre com as mulheres no contexto doméstico e familiar, trouxesse mecanismos de urgência para salvaguardar a pessoa com idade inferior a dezoito anos.
Eis que o Congresso Nacional, em meio ao clamor causado por uma tragédia – o assassinato do menino Henry Borel Medeiros, aos quatro anos, em 8 de março de 2021 – concebeu, discutiu e aprovou, a toque de caixa, o projeto que se tornou a Lei nº 14.344 de 24/05/2022.
A violência que atinge crianças e adolescentes está definida no art. 2º da lei, como sendo “qualquer ação ou omissão que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico ou dano patrimonial”, seja no âmbito do domicílio ou residência da criança ou adolescente, no âmbito familiar ou em qualquer relação doméstica e familiar na qual o agressor conviva ou tenha convivido com o ofendido, independentemente de coabitação.
Antes da Lei Henry Borel, o que se via, no tocante ao tratamento dos casos de violência doméstica e familiar contra crianças e adolescentes, era o Conselho Tutelar exercendo um papel de intermediário entre denunciantes ou noticiantes e outros órgãos da rede de proteção com legitimidade de postular em juízo. Os conselheiros tutelares, diante de uma notícia dessa natureza, limitavam-se a elaborar um relatório de caso e encaminhar ao Ministério Público, para que este promovesse a ação cabível em busca da tutela judicial adequada.
Esse papel de transição de informação fazia com que, em algumas situações, a propositura de uma ação por medida de proteção dependesse do crivo independente do promotor de justiça, que poderia entender não ser necessário provocar o Poder Judiciário, conquanto os conselheiros tutelares, que acompanharam mais de perto o caso, vissem ser claro o contexto a merecer a intervenção estatal.
Em outro giro, o acúmulo de atribuições cotidianas desempenhadas pelos membros do Ministério Público os impedia de dar o trâmite mais célere que essas demandas urgentes reclamavam, fazendo com que a situação de risco se prolongasse desnecessariamente.
Dessa forma, embora o art. 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ao tratar das atribuições do Conselho Tutelar, já trouxesse algumas atribuições para esse importante órgão de promoção e defesa dos direitos e interesses de crianças e adolescentes, a Lei Henry Borel incluiu outras seis atribuições, quais sejam:
Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar: […]
XV – representar à autoridade judicial ou policial para requerer o afastamento do agressor do lar, do domicílio ou do local de convivência com a vítima nos casos de violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente;
XVI – representar à autoridade judicial para requerer a concessão de medida protetiva de urgência à criança ou ao adolescente vítima ou testemunha de violência doméstica e familiar, bem como a revisão daquelas já concedidas;
XVII – representar ao Ministério Público para requerer a propositura de ação cautelar de antecipação de produção de prova nas causas que envolvam violência contra a criança e o adolescente;
XVIII – tomar as providências cabíveis, na esfera de sua competência, ao receber comunicação da ocorrência de ação ou omissão, praticada em local público ou privado, que constitua violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente;
XIX – receber e encaminhar, quando for o caso, as informações reveladas por noticiantes ou denunciantes relativas à prática de violência, ao uso de tratamento cruel ou degradante ou de formas violentas de educação, correção ou disciplina contra a criança e o adolescente;
XX – representar à autoridade judicial ou ao Ministério Público para requerer a concessão de medidas cautelares direta ou indiretamente relacionada à eficácia da proteção de noticiante ou denunciante de informações de crimes que envolvam violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente.
Os incisos XV e XVI do art. 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente, incluídos pela Lei Henry Borel, veiculam as atribuições que possivelmente trazem a maior mudança de patamar na atuação do Conselho Tutelar, a saber, a legitimidade para que possa representar diretamente à autoridade judiciária pela concessão de medidas protetivas em favor de crianças e adolescentes. Esses dispositivos permitem que o Conselho Tutelar represente diretamente ao juiz com competência sobre infância e juventude pela concessão de medida de afastamento do lar do agressor, além de outras protetivas de urgência, como as elencadas nos róis dos artigos 20 e 21 da aludida lei. Com isso, garantiu-se maior autonomia ao Conselho Tutelar, ao tempo em que se contribuiu para reduzir o tempo de trâmite, em muitos casos, para concessão de medidas protetivas em favor de crianças e adolescentes.
Note-se que, da mesma forma que o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Henry Borel não trouxe rol exaustivo de medidas que poderão ser tomadas para fazer cessar urgentemente a situação de violência envolvendo crianças e adolescentes. Tais medidas não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da vítima ou as circunstâncias o exigirem, e todas as medidas devem ser comunicadas ao Ministério Público.
Então, recebido o expediente contendo o pedido de concessão das medidas protetivas, feito pelo Ministério Público, pela autoridade policial, pelo Conselho Tutelar ou por pessoa que atue em favor do ofendido, a autoridade judiciária terá vinte e quatro horas para tomar as providências catalogadas no art. 15 da Lei, a saber: a) conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência; b) determinar o encaminhamento do responsável pela criança ou pelo adolescente ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso; c) comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis; e d) determinar a apreensão imediata de arma de fogo eventualmente sob a posse do agressor.
Urge salientar que a lei dispensou a prévia oitiva das partes e do Ministério Público, exigindo apenas que este seja imediatamente comunicado acerca da concessão das medidas. A exceção são as medidas de acolhimento institucional, de acolhimento familiar e de colocação da vítima em família substituta, estas sujeitas à reserva de jurisdição. Também é exigência legal que as medidas porventura concedidas sejam registradas em banco de dados a ser mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça.
2. O mau uso da Lei Henry Borel pelas genitoras
A Lei Maria da Penha não apenas gera muita mídia, afinal não há um dia sequer em que não sejam noticiados feminicídios, mas também movimenta legislativamente o parlamento.
Com efeito, todos os anos, no mês de março – Mês Internacional da Mulher –, tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado Federal deliberam, quase sempre sem discussão, projetos que garantem novos privilégios legais ou processuais às mulheres, ou ampliam os já existentes. Invariavelmente algum desses projetos altera a Lei Maria da Penha.
Até por isso, e graças às gritantes e cada vez mais corriqueiras injustiças que se abatem sobre os homens, tendo como destaque a epidemia de falsas acusações de violência doméstica e familiar (quando não de crimes contra a vida, como o feminicídio), a defesa desses homens vem se especializando e aprendendo a combatê-las judicialmente. É um processo lento, porém inexorável.
Não obstante, muitas mulheres ainda não conseguem lidar bem quando o homem é quem pede o divórcio. Simplesmente não admitem que serão apartadas da vida do (agora) ex-marido, e não suportam a ideia de que ele possa encontrar a felicidade com outra pessoa, ou mesmo sozinho. Assim, sentem-se compelidas a buscar vingança, e para instrumentalizar seu desejo acabam por usar a prole, ignorando completamente que um mau marido pode muito bem ser um excelente pai.
É aqui que tem início a outra faceta das falsas acusações, e a mais grotesca delas: a alienação parental.
Para vingar-se do ex-marido, a mulher inventa que o filho em comum foi de alguma maneira agredido, e a nova fronteira encontrada por elas para conseguirem atingir seu intento é utilizar a Lei Henry Borel como substrato para suas ações. Assim, conseguem justificar suas atitudes como sendo “em benefício dos filhos” e, com isso, esperam angariar aprovação social para si, sem se importarem com o verdadeiro assassinato da reputação do pai perante a sociedade, e muito menos com as consequências do afastamento dele da criação dos filhos.
No caso da Lei Henry Borel, as medidas estabelecidas por ela não carecem de maiores esclarecimentos, recebendo suas definições pelo próprio texto legal. As mais frequentemente requeridas são o afastamento do pai do lar e as proibições de contato e aproximação do suposto agressor em relação à suposta vítima. A lei permite inclusive a decretação de prisão preventiva do suposto agressor, em qualquer fase da persecução penal, dependente de requerimento do Ministério Público ou de representação da autoridade policial. E as decisões referentes à prisão ou à soltura do transgressor deverão ser comunicadas ao responsável legal da suposta vítima.
À semelhança do que ocorreu com a Lei Maria da Penha, a Lei Henry Borel não fixou um prazo de duração das medidas protetivas de urgência, cabendo ao magistrado, segundo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, decidir sobre a vigência das cautelares conforme as peculiaridades do caso concreto. E mais: as medidas protetivas persistem independentemente da propositura da ação principal, em razão de seu caráter autônomo e satisfativo. Ou seja, ainda que o Ministério Público não encontre elementos suficientes para oferecer denúncia em desfavor do suposto agressor, as medidas protetivas determinadas pelo juízo podem continuar vigendo. Na prática, o pai pode ficar indefinidamente afastado do convívio com seus filhos.
Inferimos que a opção, pela mulher, por utilizar a Lei Henry Borel em vez de a Lei Maria da Penha para levar a cabo a vingança contra o homem, se dê também porque a Lei Henry Borel disponibiliza um aliado estatal relevantíssimo: o Conselho Tutelar. Afinal de contas, é muito melhor lutar ao lado de um aliado poderoso, não é mesmo?
Em tese incumbe ao Conselho Tutelar a função de atender, além da criança e do adolescente, seus familiares e as testemunhas do fato, orientando e aconselhando-os acerca de seus direitos, fazendo os encaminhamentos necessários. Utilizando-se dessa possibilidade, de expansão do escopo protetivo do órgão para além do público infantojuvenil, as mulheres, evidentemente muito bem orientadas por advogados e/ou coletivos feministas, acabam por escolher essa via, e essa é uma tendência facilmente observável nas varas da infância e da juventude.
É evidente que a Lei Henry Borel é importante, e não pretendemos negar o reforço que sua edição trouxe à proteção da criança e do adolescente, mas todo dispositivo legal está sujeito a ser mal utilizado, e, tal como notoriamente acontece com a Lei Maria da Penha, isso vem acontecendo com a Lei Henry Borel. Sempre em desfavor do homem.
O crescente uso da Lei Henry Borel como instrumento de disputas conjugais e alienação parental exige uma reflexão crítica sobre sua aplicação. Proteger crianças de situações reais de violência é fundamental, mas é igualmente importante garantir que a legislação não seja utilizada para fins escusos.
Diante desse cenário, torna-se essencial que os órgãos competentes aprimorem os mecanismos de averiguação das denúncias, assegurando que medidas tão severas sejam aplicadas apenas em casos devidamente comprovados. Além disso, é necessário fortalecer as políticas de combate à alienação parental, garantindo o direito da criança à convivência familiar equilibrada.
A proteção da infância não pode se tornar pretexto para uma nova forma de injustiça contra pais amorosos e comprometidos. A sociedade precisa encontrar um ponto de equilíbrio entre a proteção infantil e a garantia de que nenhum genitor seja penalizado injustamente.