Vivemos um tempo em que o recurso ao sistema de justiça tornou-se uma das formas mais comuns de resolução – e, infelizmente, de intensificação – dos conflitos familiares. Em meio à fragilidade emocional dos vínculos e à crescente judicialização das relações privadas, tornou-se cada vez mais frequente o uso estratégico das normas legais como instrumento de pressão, retaliação ou vantagem. O campo do Direito de Família, em especial, tornou-se terreno fértil para disputas onde sentimentos como mágoa, ressentimento e desejo de controle ganham contornos jurídicos.
Contudo, o que se observa com preocupante recorrência no cotidiano forense é o desvirtuamento de leis criadas para proteger situações de risco real, convertidas em ferramentas de manipulação processual. Trata-se da instrumentalização da norma, que ocorre quando dispositivos legais são mobilizados não para garantir justiça ou segurança, mas para infligir sanção antecipada, desestabilizar o outro lado do conflito ou obter vantagens em disputas sobre guarda, patrimônio ou imagem pública. Esse fenômeno, ainda pouco enfrentado institucionalmente, tem causado danos profundos não apenas aos homens injustamente acusados, mas ao próprio equilíbrio e à credibilidade do sistema de justiça.
A instrumentalização das leis ocorre quando um indivíduo, ciente do poder coercitivo que determinadas medidas judiciais possuem, utiliza-se das prerrogativas legais não como um direito legítimo, mas como estratégia de litígio ou dominação. Na prática, isso se manifesta por meio de falsas alegações de violência doméstica, requerimentos artificiais de medidas protetivas e ações judiciais pautadas em versões construídas com o objetivo de afastar o outro genitor de seus filhos, retirar alguém do lar comum ou ainda consolidar vantagem patrimonial. Em tais casos, o processo não se volta mais à proteção da vítima real, mas sim à destruição da imagem, da dignidade e da presença do outro.
O homem, geralmente colocado na posição de agressor sem sequer ter sido ouvido, passa a experimentar uma série de restrições: é afastado do convívio familiar, tem sua reputação social e profissional manchada, perde o acesso aos filhos e, não raro, enfrenta uma avalanche de dificuldades financeiras e emocionais para tentar provar sua inocência. A lógica da presunção de inocência, consagrada no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, é colocada em suspenso. No lugar do devido processo legal, emerge uma antecipação punitiva legitimada pelo medo e pelo automatismo das decisões liminares.
Tal realidade impacta diretamente o próprio sistema de justiça, que se vê sobrecarregado com denúncias que, em muitos casos, se revelam infundadas após instrução processual adequada. A banalização das medidas protetivas, sua concessão sem investigação mínima e a falta de responsabilização daqueles que se valem do sistema de forma abusiva corroem a credibilidade das instituições e prejudicam, inclusive, as vítimas reais, que passam a ser olhadas com desconfiança diante do uso indiscriminado desses mecanismos. A proteção perde sua força quando deixa de ser exceção necessária para tornar-se instrumento cotidiano de disputas particulares.
A consequência mais perversa, contudo, recai sobre as crianças. Frequentemente envolvidas nesses litígios, elas se tornam objetos de disputa e justificativas para decisões unilaterais. Sofrem com a ausência abrupta de um dos genitores, são submetidas a narrativas manipuladas e perdem, por vezes, o referencial afetivo necessário para seu desenvolvimento saudável. O que se configura é uma violência silenciosa e muitas vezes invisível aos olhos do Judiciário, mas que deixa marcas profundas na subjetividade infantil.
O problema exige enfrentamento responsável e urgente. É dever do Judiciário, do Ministério Público e dos operadores do Direito em geral realizar investigações preliminares diligentes, exigir mínimos elementos de convicção antes de aplicar medidas restritivas e, sobretudo, punir com rigor os casos de litigância de má-fé e falsas denúncias. Isso está previsto no Código de Processo Civil e deve ser interpretado como salvaguarda do próprio Estado Democrático de Direito. Também se faz necessário capacitar os profissionais que atuam nas varas de família e nas delegacias especializadas, para que saibam discernir entre a denúncia legítima e o uso estratégico da narrativa.
Por outro lado, cabe aos homens manterem-se atentos, informados e respaldados. Conhecer os próprios direitos, manter a serenidade diante de provocações, evitar comportamentos que possam ser mal interpretados, documentar suas interações e procurar orientação jurídica especializada são atitudes fundamentais para sua proteção em um ambiente onde, por vezes, já se entra culpado por presunção.
A justiça, para ser justa, precisa ser cautelosa, equilibrada e atenta aos desvios de finalidade. A proteção de uma parte não pode significar a condenação automática da outra. As leis não podem ser transformadas em ferramentas de opressão seletiva. Elas devem servir ao bem comum, jamais a interesses pessoais escusos. Que a consciência ética e a responsabilidade institucional prevaleçam sobre a conveniência e o medo. Só assim será possível preservar os princípios de justiça, igualdade e humanidade que sustentam o Direito.