Resumo
Este artigo analisa a ofensiva internacional dirigida à abolição da Lei de Alienação Parental no Brasil, situando-a como parte de uma estratégia global de reengenharia social que visa à desconstrução da família natural e da identidade masculina. Com base em autores como Pascal Bernardin, Juan Cláudio Sanahuja, Bento XVI e Jean Baudrillard, argumenta-se que a supressão do reconhecimento jurídico da alienação parental integra um projeto de dissolução antropológica sem precedentes, com impactos profundos sobre a ordem familiar, a figura do pai e a própria sociedade. Em diálogo com referências do direito de família, da psicologia jurídica e da antropologia filosófica, o texto apresenta uma defesa rigorosa da manutenção da Lei nº 12.318/2010, demonstrando sua legitimidade à luz do princípio do melhor interesse da criança e da resistência a uma crise antropológica global. Expõem-se os fundamentos filosóficos e jurídicos que respaldam a norma, ao mesmo tempo em que se analisam criticamente as controvérsias em torno do conceito de alienação parental – incluindo as críticas à teoria original de Richard Gardner – para evidenciar que, apesar de distorções e usos indevidos, o fenômeno da alienação parental é real, prejudicial e merece enfrentamento equilibrado. A conclusão reforça que a Lei de Alienação Parental, aprimorada por debates recentes, constitui um instrumento necessário de proteção infantil e de preservação dos vínculos familiares naturais, servindo como bastião contra tendências contemporâneas de engenharia social que buscam esvaziar referências antropológicas fundamentais.
Introdução
Quando um casal se separa em litígio, não raramente os filhos são transformados em campo de batalha emocional. Em tais contextos, pode ocorrer a alienação parental, definida na lei brasileira como “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou por quem tenha a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie o outro genitor ou que cause prejuízo ao vínculo com este” [1]. O Brasil, por meio da Lei nº 12.318/2010, reconheceu formalmente essa dinâmica nociva e estabeleceu mecanismos para coibi-la. Desde então, a Lei de Alienação Parental (LAP) tornou-se objeto de intensos debates. De um lado, destaca-se seu papel inovador na proteção do direito à convivência familiar saudável da criança; de outro, surgem críticas que a associam a possíveis injustiças, incluindo alegações de uso indevido por agressores para encobrir abusos e de reforço a estereótipos de gênero que desqualificariam as mães em disputas de guarda [2][3]. Nos anos recentes, essas controvérsias culminaram em iniciativas legislativas visando revogar ou enfraquecer a LAP – notadamente o Projeto de Lei nº 3781/2021 (posteriormente Lei nº 14.340/2022, aprovada em 2022, que acabou por reformar, não eliminar, a lei original) e novas propostas de revogação total ainda em trâmite [4]. Tais investidas colocam em questão os fundamentos e a necessidade da lei, motivando reflexões aprofundadas quanto ao seu significado jurídico e antropológico.
A defesa da manutenção da Lei de Alienação Parental exige uma compreensão ampla que transcende o mero tecnicismo jurídico. Este artigo propõe-se a articular uma apologia fundamentada em favor da LAP, inserindo-a em um contexto filosófico e sociopolítico mais vasto. Parte-se da hipótese de que o embate em torno da alienação parental não ocorre em um vácuo neutro, mas sim no bojo de transformações culturais e ideológicas que atingem as noções de família, paternidade e identidade sexual. Conforme Bento XVI observou em discurso à Cúria Romana, na atual “luta pela família, está em jogo o próprio homem”. O pontífice denunciou a ideologia de gênero como “a última rebelião da criatura contra a sua condição de criatura”, capaz de instaurar uma crise antropológica de grandes proporções [5]. Nesse processo, a figura do pai e a identidade masculina tornam-se alvos centrais de desconstrução.
A presente análise retomará o alerta de Bento XVI e de outros pensadores para argumentar que a tentativa de abolir o conceito de alienação parental deve ser entendida como parte de uma agenda de engenharia social global que visa relativizar ou suprimir referências antropológicas básicas – entre elas, a complementaridade sexual, a autoridade paterna e os vínculos familiares naturais.
Do ponto de vista metodológico, o artigo está estruturado em seções temáticas. Inicialmente, discute-se o projeto de desconstrução do masculino, ligando as raízes filosóficas da crise da masculinidade contemporânea a uma “rebelião antropológica” mais ampla. Em seguida, examina-se a noção de sociedade do simulacro proposta por Jean Baudrillard, para compreender como novas construções ideológicas – “novas parentalidades”, “gênero”, “direitos reprodutivos” – buscam substituir a realidade natural por simulacros destituídos de referencial ontológico.
Posteriormente, analisa-se o papel de organismos internacionais (notadamente a UNESCO) na difusão de técnicas de modificação de atitudes em escala global, segundo a denúncia de Pascal Bernardin, demonstrando como políticas educacionais e jurídicas vêm sendo instrumentalizadas para erodir a autoridade familiar tradicional. Com esse pano de fundo, o texto focaliza a singularidade da reação brasileira: a Lei de Alienação Parental surge como um bastião de resistência em meio a uma tendência mundial de uniformização ideológica.
Discutiremos como essa lei – ao reconhecer direitos e vínculos naturais entre pais e filhos – representa uma afirmação do direito natural frente ao positivismo tecnocrático, motivo pelo qual tem sido alvo de pressão internacional para sua desconstrução. Finalmente, o artigo mergulha na polêmica científica e jurídica em torno da alienação parental. Revisitam-se as origens do conceito na “Síndrome da Alienação Parental” (SAP) de Richard Gardner e as críticas ferozes de que foi alvo, ao mesmo tempo em que se evidencia a distinção, consagrada na literatura atual, entre a controversa noção de “síndrome” e o fenômeno efetivo da alienação parental, hoje amplamente reconhecido por pesquisadores sérios.
Examinam-se estudos contemporâneos que fornecem critérios mais objetivos para identificar casos de alienação (como o modelo dos quatro fatores de Baker et al.) [6], bem como avanços jurídicos no aperfeiçoamento da legislação brasileira (e.g., as inovações trazidas pela Lei 14.340/2022) para prevenir abusos e conciliar a proteção da criança com a de vítimas de violência doméstica [7][8]. A partir dessa análise multidisciplinar, sustenta-se que revogar a Lei de Alienação Parental constituiria um retrocesso, enfraquecendo a rede de proteção à infância e colaborando inadvertidamente para o projeto de engenharia social que visa dissolver a família natural [9]. Ao contrário, a manutenção da lei – com contínuo aperfeiçoamento de sua aplicação – afirma a verdade antropológica da importância insubstituível dos laços parentais e da complementaridade entre homens e mulheres na criação dos filhos, contribuindo para enfrentar a crise de sentido que afeta a civilização contemporânea.
1. O Projeto de Desconstrução do Homem
1.1 Da Rebelião Antropológica à Crise da Masculinidade
A desconstrução contemporânea do masculino insere-se num movimento cultural mais amplo de questionamento da natureza humana. Diversos autores identificam na ideologia de gênero e em correntes associadas uma verdadeira “rebelião antropológica”, em que o ser humano procura emancipar-se de qualquer dado natural ou metafísico que o constitua [5]. Nesse sentido, a distinção sexual homem-mulher – entendida por milênios como componente basilar da condição humana – é relativizada ou negada. Bento XVI adverte que “se não existe a dualidade de homem e mulher como um dado da criação, então também não existe a família como realidade pré-estabelecida pela criação” [5]. A negação dessa dualidade mina as bases da identidade pessoal, da família e da paternidade, gerando o que o Papa Emérito denominou de “crise antropológica sem precedentes”.
Em outros termos, ao rejeitar os limites e as estruturas da natureza – seja a biologia, seja a dimensão espiritual do ser criado –, a humanidade embarca numa revolta contra si mesma, na qual “o homem moderno pretende livrar-se até mesmo das exigências de seu próprio corpo… e converte-se em um deus para si mesmo” [5]. Essa rebelião manifesta-se na pretensão de que a identidade (inclusive a identidade sexual) seja mera construção de vontade, desvinculada de qualquer verdade dada. A crise da masculinidade é um corolário dessa rebelião mais ampla. Tradicionalmente, as sociedades humanas atribuíam ao homem, enquanto pai e esposo, um papel definido na estrutura familiar – ligado à provisão, proteção e orientação moral dos filhos. Contudo, na esteira do dualismo moderno que separa corpo e vontade, abrindo caminho para a negação da natureza, questiona-se a legitimidade de qualquer diferença de papéis baseada no sexo.
Valores antes associados positivamente à figura paterna – como liderança, fortaleza, autoridade benevolente – passaram a ser reinterpretados sob ótica negativa, rotulados em bloco como expressão de um suposto “patriarcado opressor” ou de uma “masculinidade tóxica”. O resultado é uma desorientação profunda quanto ao lugar do masculino na família e na sociedade. Jean Clair observou que, na pós-modernidade, “ser um homem tornou-se um problema em si mesmo” – já não havendo pontos de referência claros sobre o que significa uma masculinidade autêntica. Em lugar de uma identidade positiva e responsável, propagam-se estereótipos degradantes ou caricaturais do homem, seja como agressor em potencial, seja como figura descartável no núcleo familiar.
Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que se propaga um discurso de igualdade absoluta, nota-se um déficit de modelos masculinos construtivos. A psicologia e a antropologia filosófica ressaltam que a presença paterna é crucial na formação do psiquismo infantil, contribuindo para o processo de individuação e para a interiorização de limites saudáveis. Entretanto, vive-se uma época em que a própria noção de paternidade é relativizada por conceitos alternativos de “parentalidade” desvinculada de sexo, e em que a autoridade moral dos pais sofre contestação constante por discursos pedagógicos e midiáticos.
Essa conjuntura pode ser interpretada, segundo Bento XVI, como sintoma de uma crise maior: “a crise da masculinidade é sintoma de uma crise da própria humanidade”, só superável com a reafirmação da verdade antropológica do ser humano como sujeito criado, sexuado e relacional. O Papa enfatiza que a restauração da saúde cultural passa pela redescoberta dos valores do dom de si, da responsabilidade e do amor oblativo, sobretudo por parte dos homens enquanto pais. Em suma, antes de ser um fenômeno isolado, a confusão sobre o papel masculino representa uma ponta de lança de um processo civilizacional mais profundo, em que a criatura humana perde a compreensão de si mesma.
1.2 A Emasculação Sistemática da Autoridade Paterna
No contexto dessa rebelião antropológica, a autoridade paterna – isto é, o papel do pai como guia, formador e referência de ordem na família – tornou-se alvo de um sistemático processo de deslegitimação. Autores como Juan Claudio Sanahuja e Pascal Bernardin documentam iniciativas globais que visam esvaziar a influência do pai na educação dos filhos, transferindo progressivamente suas prerrogativas para o Estado e organismos transnacionais [10][11]. A lógica subjacente é clara: uma vez que as estruturas familiares tradicionais carregam valores e identidades consideradas “arcaicas” ou contrárias às novas agendas culturais (por exemplo, a ideia de que o pai exerce liderança protetiva e a mãe cuidado íntimo, em complementaridade), torna-se necessário desconstruir tais estruturas para viabilizar uma “nova ordem” comportamental.
Sanahuja aponta que a dissolução da paternidade é estratégica para instaurar uma ordem antropológica global padronizada, na qual instâncias burocráticas e técnicas assumem o controle da formação das novas gerações em detrimento dos pais. Em outras palavras, neutralizar ou enfraquecer a figura paterna facilitaria a implementação de políticas uniformes de educação e socialização, sem a interferência dos valores familiares particulares.
Um dos mecanismos dessa emasculação da autoridade paterna é a criminalização ou patologização das atitudes parentais que encarnam o modelo tradicional de pai. Como ilustrado anteriormente, características outrora vistas como virtuosas no pai – firmeza, assertividade, proteção vigilante – passaram a ser rotuladas com termos pejorativos. Fala-se em “paternidade opressora” ou em abuso psicológico quando um pai busca impor limites ou transmitir convicções aos filhos, gerando um ambiente de suspeição constante sobre o exercício do pátrio poder. Alguns discursos tratam a influência paterna quase como um elemento intrinsecamente problemático, a ser monitorado de perto por profissionais.
Nessa atmosfera, pais amorosos mas firmes podem ser equivocadamente equiparados a figuras autoritárias, enquanto a própria ideia de correção paterna é confundida com violência. Além disso, a cultura popular muitas vezes reforça a imagem do pai ausente, estúpido ou irrelevante. Em filmes, novelas e propagandas, é frequente a figura do pai ridicularizado ou infantilizado, em contraste com a figura materna supercompetente, ou então do pai agressor do qual mãe e filhos devem fugir. Tais narrativas, quando unilaterais, contribuem para desautorizar simbolicamente a paternidade.
O homem, ao internalizar esses estereótipos negativos ou ao temer ser associado a eles, pode retrair-se de suas responsabilidades familiares, num círculo vicioso que confirma a profecia cultural de sua dispensabilidade.
Jean Baudrillard fornece um arcabouço teórico para entender esse fenômeno: na sociedade do simulacro, os símbolos e imagens suplantam a realidade, de modo que a simulação de uma verdade negativa sobre a paternidade (“todo pai é potencialmente tóxico ou abusivo”) oculta quaisquer evidências em contrário, convertendo-se ela própria em “verdade” aceita socialmente [12]. No limite, o projeto de engenharia social que visa a desconstrução do masculino almeja substituir o pai real por simulacros institucionais. Ou seja, em vez do pai concreto, com suas imperfeições mas também com seu amor insubstituível, propõe-se que profissionais, terapeutas, educadores estatais e políticas públicas ocupem o vácuo na vida das crianças.
Pascal Bernardin denunciou, já na década de 1990, que organismos como a UNESCO promoviam uma nova pedagogia centrada não mais na transmissão de conhecimento objetivo ou valores perenes, mas na modificação comportamental e psicológica das massas, com vistas a moldar atitudes “desejáveis” segundo padrões globais [11]. Essa pedagogia tecnocrática, aplicada em escolas e programas sociais, enfraquece a figura do pai como primeiro educador e modelo, na medida em que relativiza a autoridade formativa da família.
Neutralizar o pai – seja por ridicularização cultural, por suspeição jurídica ou por invasão de seu espaço educativo – não é, pois, um efeito colateral, mas antes uma meta declarada (ainda que nem sempre explícita) de certos movimentos de mudança social. Trata-se de abrir caminho para uma geração “reeducada” por novos valores globais, livre das influências “retrógradas” que a figura paterna tradicional poderia transmitir.
2. A Sociedade do Simulacro: Baudrillard e a Família
2.1 Da Realidade Natural ao Hiper-real dos “Novos Direitos”
As transformações antropológicas em curso podem ser interpretadas à luz da teoria dos simulacros de Jean Baudrillard. Segundo o pensador francês, a sociedade pós-moderna caracteriza-se por uma substituição sistemática do real por modelos simulados de realidade, os quais acabam por suplantar o referente original [12]. No domínio da família e dos papéis sexuais, o que se observa é exatamente essa lógica de simulação: conceitos e instituições naturais vão sendo gradualmente substituídos por construtos artificiais, promovidos como “novos direitos” ou “novos modelos”, até que a distinção entre o autêntico e o artificial se dissipa.
Baudrillard afirma de modo célebre: “O simulacro nunca é aquilo que esconde a verdade – é a verdade que esconde que não existe. O simulacro é verdadeiro” [12]. Ou seja, os simulacros não apenas mascaram a realidade inexistente, mas afirmam-se como a verdade efetiva com a qual as pessoas passam a se relacionar. No contexto em análise, a família natural, baseada na união complementária entre homem e mulher e nos vínculos biológicos com os filhos, está sendo gradativamente eclipsada por “novas parentalidades” e arranjos alternativos que reclamam igual status.
Sob o rótulo de direitos sexuais e reprodutivos, por exemplo, promovem-se estruturas familiares voluntariamente monoparentais, pluriparentais, ou completamente desvinculadas da ideia de diferença sexual. A retórica dos novos direitos enfatiza a liberdade individual de constituir qualquer forma de família segundo as preferências do indivíduo, desligando por completo a noção de família de um fundamento natural ou perenemente válido.
A consequência, do ponto de vista baudrillardiano, é a criação de um “hiper-real”: um universo de discursos jurídicos e culturais em que existe família sem sexo, parentalidade sem pai ou mãe, gênero sem corpo – simulacros que não correspondem a nenhum dado concreto anterior, mas que passam a ser tratados como entidades tão reais quanto (ou mais reais que) o antigo modelo.
Um exemplo desse hiper-realismo jurídico está na proliferação de termos e categorias que redefinem as relações familiares em abstrato. Fala-se hoje, em certos círculos acadêmicos e legislativos, em “multi-parentalidade” (quando uma criança poderia ter legalmente mais de dois pais ou mães), em “famílias simultâneas” (reconhecimento de duas unidades familiares paralelas envolvendo as mesmas crianças, como no poliamor) e assim por diante. Cada uma dessas inovações semânticas opera uma ruptura com a lógica genealógica e relacional que marcou todas as culturas humanas conhecidas, segundo a qual cada pessoa provém de um pai e uma mãe, e essa origem importa para sua identidade.
No hiper-real, a origem perde relevância – pode-se “fabricar” uma família por contratos e tecnologias, quase como um simulador social. A natureza é considerada irrelevante: como Baudrillard coloca, a simulação “oculta que algo como a realidade é irrelevante” na compreensão da vida contemporânea [12]. Assim, importa menos a realidade factual (quem gerou quem, quem é biologicamente pai ou mãe) e mais a narrativa desejada (quem escolhemos chamar de pai/mãe, que arranjo declaramos vigente).
Importante notar que Baudrillard via nos simulacros não meras falsificações conscientes, mas estruturas de pensamento que tomam vida própria. Aplicando essa ideia, pode-se argumentar que os novos paradigmas familiares tornaram-se estruturas autossustentáveis: instituições internacionais, legislações progressistas e certa mídia propagam-nas como se sempre tivessem existido, ou como se fossem fruto inevitável do “progresso”. Nessas narrativas, a família natural heterossexual, longe de ser apresentada como um dado civilizacional essencial, aparece como uma construção histórica ultrapassada, quiçá opressiva, que cede lugar a configurações mais inclusivas.
A alienação parental, entendida como problematização jurídica da ruptura do vínculo com um genitor, entra em choque com esse hiper-real cultural. Ao pressupor que existe importância intrínseca na relação da criança com seu pai e sua mãe, a noção de alienação parental remete a um referente real (a figura paterna/materna concreta) que o discurso desconstrucionista preferiria tratar como contingente. Por isso mesmo, a alienação parental – enquanto conceito que deriva da ideia de que mãe e pai não são simples peças intercambiáveis ou descartáveis na vida infantil – torna-se, para os arquitetos do simulacro, um elemento a ser eliminado ou ressignificado.
2.2 O Esvaziamento Semântico e a Dissolução das Referências
Uma das táticas centrais para consolidar o domínio do simulacro sobre a realidade é o esvaziamento semântico: termos tradicionais ganham significados novos e frequentemente contrários ao original, num processo de inversão que confunde o debate público e mina resistências culturais. No campo da família, palavras como “proteção”, “violência” e “discriminação” passaram a ser empregadas de forma inflacionária e ideologicamente orientada.
Por exemplo, iniciativas de intervenção estatal nos laços familiares costumam ser justificadas sob o argumento de “proteção à criança”. Entretanto, por vezes se observa que essa “proteção” é definida de modo tão amplo que abrange qualquer conflito familiar, qualquer divergência educacional entre pais, ou até a transmissão de valores morais que choquem com a ortodoxia politicamente correta vigente. Assim, protegem-se as crianças até delas próprias se alienar o convívio familiar normal.
Cria-se um paradoxo semântico: aquilo que rompe a convivência natural é apresentado como proteção, enquanto a resistência dos pais a ingerências externas passa a ser rotulada como ameaça ou negligência. De modo similar, o conceito de violência foi ampliado em certos documentos internacionais e legislações nacionais para incluir dimensões extremamente subjetivas, como “violência psicológica” definida de forma genérica. Evidentemente, a violência psicológica existe e pode ser tão danosa quanto a física, mas a ausência de critérios objetivos claros abre margem para que comportamentos corriqueiros ou disciplinadores dos pais sejam reinterpretados como “violentos” em contextos litigiosos.
Tem-se aí um exemplo de dissolução das referências: se tudo pode ser potencialmente chamado de violência, o termo perde contornos definidos e pode servir para legitimar praticamente qualquer intervenção. Uma mãe ou pai que simplesmente imponha limites razoáveis – como restringir certos conteúdos ou companhias dos filhos – corre o risco de ser acusado de “violência emocional” ou “abusos” com base em impressões subjetivas. Enquanto isso, situações que outrora seriam reconhecidas como gravemente nocivas (por exemplo, afastar deliberadamente a criança de um genitor amoroso, envenenando-a afetivamente) podem ser relativizadas caso se encaixem na narrativa “aceitável” de proteção.
Desse modo, a inversão semântica mina a capacidade da sociedade de nomear corretamente o bem e o mal nas relações familiares. No caso específico da alienação parental, observa-se um embate terminológico. Os detratores da noção procuram associá-la a uma “pseudociência”, evocando a memória do conceito de síndrome de Gardner para invalidar qualquer discussão sobre o assunto [21][22]. Ademais, em fóruns internacionais como a ONU e a OEA, advoga-se que a simples alegação de “alienação parental” em disputas de guarda seria uma forma de violência institucional contra mulheres, a ser banida do vocabulário jurídico em nome do combate ao machismo [21][22].
Nesse discurso, acusações de alienação seriam invariavelmente falsas ou frutos de estereótipos sexistas (a “mãe vingativa e delirante” versus o pai injustamente vitimizado). Aqui há claramente uma generalização indevida – uma vez que ambos os fenômenos ocorrem na prática: há casos em que mães protetoras são indevidamente acusadas de alienação por ex-parceiros violentos, mas também existem casos em que mães (ou pais) de fato manipulam os filhos para odiar o outro genitor sem motivo legítimo.
Ao se tentar banir por decreto o conceito de alienação parental, joga-se fora a possibilidade de proteção às crianças nesses últimos casos, sob o pretexto de proteger as mulheres nos primeiros. Trata-se de uma típica estratégia de “guerra semântica”: se o conceito em si for extirpado do ordenamento, a realidade que ele descreve torna-se inominável e, por conseguinte, invisível e não passível de intervenção jurídica.
Pascal Bernardin, ao analisar a ação da UNESCO, identificou essa manobra semântica como parte do processo de engenharia social [11]. Em seu exame de documentos educativos, Bernardin notou que termos tradicionais eram ressignificados para adequar-se à agenda de mudança de atitudes. Por exemplo, “família” em alguns textos passa a significar qualquer arranjo afetivo, “maternidade/paternidade” vira sinônimo de função cuidativa independente de sexo biológico, e assim por diante.
Esse esvaziamento semântico é acompanhado da dissolução das referências objetivas: perde-se a referência de natureza (homem/mulher, pai/mãe, papel complementar) e tudo se torna questão de discurso. Baudrillard afirmaria que, nesse cenário, as palavras não remetem mais a uma verdade ontológica, mas apenas a outros signos numa cadeia infinita – a hiper-realidade linguística onde se disputa o poder de definir narrativas.
Em conclusão desta seção, podemos dizer que a sociedade do simulacro opera, no campo familiar, por meio da conversão de realidades concretas em constructos fluidos, mediada pelo controle do vocabulário público. A Lei de Alienação Parental, ao insistir em nomenclaturas tradicionais como “genitor”, “filiação”, “convivência familiar saudável”, contraria essa corrente de esvaziamento semântico, porque reafirma que há algo de objetivamente valioso e reconhecível na relação pai-filho e mãe-filho.
Por isso, ela enfrenta não apenas objeções jurídicas pontuais, mas a resistência de uma visão de mundo que preferiria eliminar qualquer referência que não decorra do arbítrio individual ou dos ditames ideológicos do momento. A defesa dessa lei implica, portanto, também um resgate do significado das palavras no seu sentido originário – recolocando “família”, “paternidade” e “infância” em seu devido lugar no universo de discursos, ancorados na realidade humana elementar.
3. UNESCO, Bernardin e a Engenharia Social
3.1 Técnicas de Modificação de Atitudes: Educação como Ferramenta Global
A influência de organismos internacionais na remodelação das estruturas familiares e dos papéis parentais não é mera teoria conspiratória, mas encontra respaldo em documentos históricos e pesquisas acadêmicas. Em 1964, a UNESCO publicou um relatório seminal intitulado “A Modificação das Atitudes”, no qual explicitamente se afirmava que métodos desenvolvidos para alterar preconceitos intergrupais (racial, religioso, étnico) poderiam ser aplicados “a outros domínios sociais”, propondo-se a aplicação em larga escala dessas técnicas com envolvimento de líderes políticos, comunitários e meios de comunicação para promover mudanças em comunidades inteiras [11].
Esse marco, embora voltado originalmente ao combate a discriminações, sinalizou uma guinada: a organização internacional dedicada à educação passava a contemplar ativamente a possibilidade de intervir no campo dos valores e comportamentos, e não apenas difundir conhecimento.
Pascal Bernardin, em Maquiavel Pedagogo, analisa em profundidade esse e outros documentos, concluindo que a UNESCO desde então vem aperfeiçoando e propagando técnicas de engenharia social através da educação, com o objetivo de produzir um “homem novo” adaptado a uma sociedade globalizada e ideologicamente unificada [11].
Nas últimas décadas, essa tendência intensificou-se. Estudos recentes apontam que a UNESCO e entidades parceiras incorporaram em suas diretrizes educacionais a prioridade a competências socioemocionais e à chamada aprendizagem não-cognitiva, enfatizando a mudança de atitudes como objetivo central. A título de exemplo, iniciativas relacionadas a educação para a cidadania global, igualdade de gênero ou saúde reprodutiva frequentemente incluem módulos de “treinamento comportamental”, incentivando alunos a revisarem crenças tradicionais sobre família, sexo e autoridade.
Antony Bryan (2022) cunhou o termo “neuroliberalismo” para descrever essa ênfase crescente em explicações psicológicas e biológicas para problemas sociais, em detrimento de abordagens políticas ou morais tradicionais. Traduzido ao nosso tema: problemas como violência doméstica, abuso infantil ou conflitos familiares tendem a ser abordados muito mais sob a ótica de mudança de atitude e monitoramento comportamental dos indivíduos (por psicólogos, assistentes sociais, etc.) do que mediante o fortalecimento de vínculos familiares, responsabilização de indivíduos por escolhas morais ou reforço de valores culturais positivos.
A consequência é que o poder de definir e corrigir problemas familiares escoa das mãos das famílias e comunidades locais para as mãos de “especialistas” formados segundo as cartilhas internacionais. Bernardin sublinha que a escola e as políticas públicas converteram-se em instrumentos de uma revolução cultural global, orientada a neutralizar a transmissão dos valores tradicionais – em especial os valores transmitidos pelo pai enquanto referência ética e afetiva na família [11].
Um trecho elucidativo de sua obra aponta que o alvo primordial dessa pedagogia é a figura paterna, pois ela simboliza a continuidade da cultura e da identidade de um povo. Neutralizar a influência do pai facilitaria incutir novas normas comportamentais sem resistência geracional.
Tal diagnóstico converte-se em fato observável quando notamos programas educativos que, em nome da autonomia infantil, desencorajam a “imposição” de visões de mundo pelos pais, ou que ensinam as crianças sobre temas sensíveis (sexualidade, gênero, etc.) à revelia dos valores familiares. Esses programas alegam promover tolerância e diversidade, mas de fato podem criar uma cisão entre as crianças e seus pais, transmitindo-lhes a ideia de que as convicções familiares são atrasadas ou até opressivas.
Em síntese, a engenharia social por via educacional articulada pela UNESCO e outros organismos opera modificando atitudes em massa, não em relação a conteúdos neutros, mas tocando pontos nevrálgicos da identidade humana. O que outrora era de competência primária da família – formar o caráter, transmitir princípios, definir o entendimento de certo e errado – passa a ser reclamado pelo Estado e instâncias supranacionais sob o argumento de direitos das crianças ou evolução social.
O perigo intrínseco, assinalado por Bernardin, é que isso equivale a “reconverter comunidades inteiras”, empregando métodos próximos da lavagem cerebral, pois não visam o convencimento racional, mas o condicionamento psicológico coletivo. A perda da autonomia da família nesse processo significa também a perda de liberdade das sociedades de viver segundo suas tradições e crenças, já que as novas gerações estariam sendo formatadas de maneira padronizada para aderir a uma cultura global única [11].
3.2 A Dissolução da Autoridade Familiar e a Transferência ao Estado
Um dos efeitos concretos do processo descrito é a transferência da autoridade educativa dos pais para o Estado. Onde antes se pressupunha que pai e mãe tinham o direito-dever de criar e educar seus filhos conforme suas convicções (limitado apenas pelo dever de não causar danos objetivos à criança), agora cada vez mais se presume que essa função deva ser tutelada ou até substituída por agentes estatais “mais capacitados” [14].
Pascal Bernardin e Juan C. Sanahuja documentam que esse deslocamento está longe de ser acidental: ele é parte de um projeto ideológico que concebe a família natural como obstáculo à plena realização de agendas igualitárias e globalistas [10][11]. Assim, invocando casos extremos de abuso ou negligência (que são reais, mas minoritários), formula-se uma retórica onde todas as famílias são potenciais abusadoras e precisam da constante vigilância e da intervenção corretiva de autoridades externas.
A Lei de Alienação Parental brasileira entra nesse cenário como um elemento dissonante. Ela reconhece, juridicamente, que existe um vínculo natural entre pais e filhos digno de proteção e que eventuais interferências indevidas nesse vínculo constituem uma violação aos direitos da criança e do genitor afetado [5][6]. Ao fazer isso, a LAP reafirma um princípio de direito natural: o laço pai-filho não é uma concessão do Estado, mas algo que lhe preexiste e que o Estado deve resguardar [14].
É justamente essa filosofia subjacente que a torna singular em comparação a tendências internacionais. Conforme já mencionado, eliminar a LAP se coaduna com o projeto de consolidar o Estado (e entes transnacionais) como instância absoluta na determinação do que é melhor para a criança, eliminando a mediação dos vínculos familiares [10][11].
Bernardin e Sanahuja mostram que a campanha global contra a alienação parental tem menos a ver com proteger crianças de eventuais erros judiciais e mais com romper a última barreira de autoridade familiar autônoma. Ao revogar a lei, apagar-se-ia do ordenamento o reconhecimento explícito de que o pai e a mãe possuem direitos naturais insubordinados ao arbítrio estatal.
Pode-se argumentar que isso é exagero: afinal, mesmo sem a LAP, pais e mães continuariam tendo seus direitos previstos na Constituição e no Código Civil. Contudo, a simbologia importa. A LAP, sendo uma lei especial, lançou luz sobre um fenômeno concreto de nossa era – o uso do filho como arma por um genitor contra o outro – e buscou equilibrar as relações parentais em prol do melhor interesse do menor [5][6].
Ao elencar exemplos de atos de alienação (art. 2º) e prever instrumentos de coibição (art. 6º) e acompanhamento (art. 5º e 8º-A) [5], a lei tem também um efeito pedagógico positivo: ela deixa claro que é inaceitável manipular a criança para satisfazer ressentimentos pessoais [8][14]. Esse efeito pedagógico-social colide com a “hiper-realidade” pretendida por certos ideólogos, em que idealmente não haveria mais um “pai” a ser alienado – já que as estruturas familiares tradicionais estariam obsoletas. Ou seja, a LAP incomoda porque mantém viva, no plano legal, a noção de que a criança deve ter pai e mãe presentes e cooperantes.
No panorama internacional, percebe-se nitidamente a pressão para uniformizar o tratamento legal do tema conforme a cartilha progressista. Relatórios da ONU e audiências na Comissão Interamericana de Direitos Humanos têm recomendado que países como o Brasil revisem ou revoguem leis de alienação parental, sob alegação de que elas poderiam ferir direitos das mulheres e das crianças (uma conclusão contestável, como veremos) [17][18][19][20]. Em 2023, a Relatora Especial da ONU, Reem Alsalem, apresentou relatório apontando a conceituação de alienação parental como utilizada de forma discriminatória e institucionalizando a violência de gênero contra mães, propondo sua eliminação dos sistemas de justiça [17].
Ao mesmo tempo, defensores de direitos da criança na Argentina e em outras jurisdições têm ecoado críticas semelhantes, advogando que o termo sequer seja admitido nas cortes. Trata-se de uma espécie de novo consenso transnacional em formação, pelo qual a única narrativa válida em disputas de guarda envolvendo alegações de abuso seria a da proteção contra violência doméstica, descartando de antemão qualquer possibilidade de que a manipulação psicológica da criança possa também estar presente.
Frente a essa conjuntura, a permanência e aperfeiçoamento da lei brasileira configuram um ato de resistência jurídica. Como Sanahuja assinala, vive-se uma “nova guerra fria” cultural, em que o politicamente correto busca impor um pensamento único às nações; e a manutenção da LAP contra a corrente majoritária é exemplo de soberania cultural em defesa de uma visão integral do ser humano [10].
Não se trata, obviamente, de negar a preocupação com a violência doméstica ou a igualdade de gênero – temas importantíssimos –, mas de recusar falsos dilemas. É plenamente possível (e necessário) proteger mulheres e crianças de agressores sem por isso negar a existência de casos em que um pai ou mãe amoroso é afastado injustamente. O direito deve ter instrumentos para lidar com ambas as situações, e o Brasil os estava construindo: em 2022, por meio da Lei 14.340/2022, promoveu-se uma reforma equilibrada da LAP, fruto de amplo debate, justamente para aprimorar garantias de que denúncias de abuso sejam devidamente apuradas e que a escuta da criança seja feita de forma técnica e imparcial [6][8][14].
Revogar tudo indiscriminadamente seria, como alertou a advogada Renata Cysne do IBDFAM, “um verdadeiro retrocesso social”, que enfraqueceria a rede de proteção infantil e nos privaria de ferramentas úteis no enfrentamento de conflitos familiares nocivos [8][14].
Em conclusão, a dissolução da autoridade familiar faz parte de um contexto de engenharia social em curso. A Lei de Alienação Parental, longe de ser perfeita, representa porém um bastião normativo contra esse processo: ela afirma que os laços familiares básicos não podem ser manipulados ou anulados sem resposta jurídica, e que a criança tem o direito de ser criada por pai e mãe – salvo situações excepcionais de risco real – beneficiando-se do amor e cuidado de ambos [5][8][14].
Manter essa lei é, simbolicamente, manter viva a concepção de que a família natural continua sendo a “célula vital da sociedade”, como ensinou Bento XVI, e que demoli-la acarreta a ruína do próprio tecido social [1][2][3].
4. Alienação Parental: Último Bastião da Autoridade Masculina
4.1 Singularidade Brasileira e Pressão Internacional
A promulgação da Lei 12.318/2010 fez do Brasil um caso à parte na cena jurídica internacional. Poucos países possuem uma legislação específica e detalhada para combater a alienação parental – na maioria dos lugares, trata-se de matéria tratada de forma indireta, no âmbito das disputas de guarda ou da psicologia forense, sem um arcabouço legal próprio. Essa singularidade brasileira foi elogiada por uns e criticada por outros. Por um lado, juristas como Maria Berenice Dias, pioneira no uso do conceito no Judiciário nacional, defendem que a norma trouxe visibilidade a uma prática prejudicial e frequente, permitindo coibir atitudes de sabotagem ao vínculo da criança com um dos pais [8][21].
A lei consagrou, em âmbito infraconstitucional, o direito da criança à convivência familiar plena e o dever correlato dos pais em respeitar os vínculos afetivos mútuos [5][8]. Por outro lado, setores ligados a movimentos feministas e de direitos humanos passaram a olhar a LAP com desconfiança, levantando a hipótese de que ela serviria de instrumento para ofensores escaparem de acusações (alegando alienação para desacreditar denúncias de abuso) e para perpetuar estereótipos machistas no Judiciário [8][21][22].
A partir de 2014, mas especialmente após 2019, a pressão internacional contra a Lei de Alienação Parental se intensificou. Organizações não governamentais e grupos de mães (como o “Mães na Luta”) denunciaram em organismos internacionais diversos casos supostamente emblemáticos de uso perverso da lei: mães protetoras que teriam perdido a guarda de filhos após alertarem sobre abusos do pai, peritos que teriam desqualificado acusações reais de violência alegando alienação materna, etc. [19][21][22] Essas denúncias levaram a audiências na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e à citação do caso brasileiro em relatórios da ONU sobre violências de gênero. Em 2022, a própria Relatoria da ONU para Violência contra a Mulher emitiu um comunicado expressando preocupação com o uso da “teoria da alienação parental” em tribunais, sugerindo que ela tende a desacreditar mulheres e beneficia agressores [17][19].
Já em 2023, como citado, a Relatora Reem Alsalem recomendou enfaticamente a revisão das legislações que incorporam o conceito de alienação parental, apontando seu viés de gênero e chamando atenção para o fato de que a esmagadora maioria de acusados de alienação são mulheres [17][19]. No plano doméstico, essas pressões ecoaram na forma de projetos legislativos. Em 2018, um primeiro projeto de revogação da LAP chegou a ser arquivado após polêmica. Em 2020-21, nova mobilização resultou em duas correntes: uma pela revogação completa (encampada, curiosamente, por parlamentares de perfil conservador, como a então Ministra Damares Alves e o Senador Magno Malta, talvez influenciados pelas denúncias de injustiças contra mães) [23]; outra pela reforma da lei, corrigindo eventuais excessos sem eliminá-la.
O resultado legislativo foi a Lei 14.340/2022, aprovada após extensos debates com participação do judiciário, especialistas e sociedade civil [6][8]. Essa lei alterou dispositivos da LAP, proibindo, por exemplo, a alteração de guarda ou suspensão do poder familiar antes de uma perícia psicológica e devida instrução probatória em casos de suspeita de violência (evitando decisões precipitadas) e reforçando a prioridade de tramitação e a escuta especializada da criança [6][8]. Ou seja, foi um esforço de modular a aplicação da LAP para que ela não servisse de escudo a abusadores nem causasse revitimização de crianças vítimas de abuso.
Institucionalmente, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) passou a elaborar protocolos para aprimorar a atuação interdisciplinar nos processos envolvendo acusações cruzadas de alienação e abuso [8]. Apesar dessas melhorias, a campanha pela revogação total não cessou. Em 2023, a Comissão de Direitos Humanos do Senado aprovou parecer favorável à revogação da LAP, a partir do PL 3781/2021, e o tema aguardava deliberação final nas comissões competentes e plenário [22][23].
Esse movimento polarizou a comunidade jurídica e a opinião pública. De um lado, grupos de proteção à infância, associações de pais e o IBDFAM alertam para o risco de desmantelar uma ferramenta importante de prevenção a abusos emocionais contra crianças, algo que nos lançaria num vazio normativo perigoso [8][14]. De outro, coletivos de mulheres sobreviventes de violência argumentam que a lei estaria “contaminada” pela origem espúria do conceito de SAP de Gardner e que, culturalmente, os tribunais não estariam aptos a aplicá-la sem prejuízo às mulheres, dado o machismo estrutural [8][21][22].
Diante dessa disputa, este artigo propõe que a manutenção qualificada da LAP é a solução preferível, e não sua abolição. A singular experiência brasileira, longe de ser um erro a ser corrigido pela pressão externa, pode ser vista como um laboratório avançado de como equilibrar a proteção integral da criança: tanto contra manipulações psicológicas quanto contra violências físicas e sexuais [8][14][21]. Conforme observou Renata Cysne, coordenadora do grupo de estudos sobre alienação parental do IBDFAM, revogar a lei significaria suprimir ferramentas pedagógicas e protetivas que já mostraram seu valor, sem resolver de fato o problema da violência doméstica [8][14].
Em vez disso, deve-se investir na capacitação contínua de peritos e juízes, no aperfeiçoamento dos protocolos de escuta de crianças (como determinou o CNJ) e na conscientização da sociedade sobre os malefícios da alienação parental e da falsa acusação de abuso – ambas condutas gravíssimas e que requerem abordagem séria [8][14]. A pressão internacional, embora levante pontos importantes de atenção, não pode ditar soluções simplistas que desconsiderem as nuances locais e, principalmente, o bem-estar das crianças brasileiras reais envolvidas nesses litígios.
4.2 Resistência do Direito Natural aos Simulacros Globalistas
Sob uma perspectiva filosófico-jurídica, a batalha em torno da LAP pode ser vista como uma expressão da tensão perene entre direito natural e direito positivo ideológico. O direito natural, entendido aqui como o reconhecimento de princípios éticos e vínculos inerentes à natureza humana, sustenta que certos laços – como o de filiação – possuem uma objetividade e uma dignidade intrínsecas, não podendo ser arbitrariamente ignorados ou redefinidos pelo legislador [1][3][4]. Já o direito positivo ideológico (particularmente na era da pós-verdade) tende a afirmar que todos os arranjos sociais podem ser construídos e desconstruídos conforme conveniências políticas e teorias sociológicas de ocasião [3][4][10].
A Lei de Alienação Parental está fundada numa intuição de direito natural: a de que é injusto e antinatural privar uma criança do convívio com um de seus genitores sem motivo legítimo, bem como de que pai e mãe têm deveres correlativos de cuidado e respeito mútuo em relação aos filhos. Essa intuição transcende culturas e épocas – basta lembrar do julgamento salomônico ou de narrativas universais de filhos separados dos pais injustamente, que sempre evocaram forte reprovação moral [1][4][12].
Os “simulacros globalistas” – para retomar o termo de Baudrillard – correspondem, nesse caso, às narrativas transnacionais que desejam impor uma tabula rasa sobre essas intuições naturais. São simulacros porque propõem uma versão de “realidade” em que pais não importam, em que quaisquer arranjos servem, em que ter ou não ter vínculo familiar é indiferente, contanto que o Estado ou o “coletivo” supostamente supra as necessidades da criança [7][10]. Mas essa visão esbarra na realidade concreta: estudos de psicologia do desenvolvimento reiteram que a figura paterna e a figura materna (se presentes e não abusivas) oferecem contribuições distintas e complementares ao crescimento saudável da criança – seja na formação da identidade de gênero, seja no equilíbrio emocional e cognitivo [4][11][16].
Ainda que existam famílias monoparentais que se saiam bem (geralmente por fatalidade ou exceção, não por ideal premeditado), isso não invalida a regra geral de que o convívio com ambos os pais, sempre que possível, é desejável e favorece o bem-estar infantil [14][16]. Portanto, pretender erradicar do direito o reconhecimento desse ideal é andar na contramão não só da natureza, mas também da ciência (paradoxalmente, já que muitos críticos da LAP acusam-na de anti-científica, quando o ideal de coparentalidade é que goza de robusto respaldo científico) [8][14][16].
A resistência nacional à revogação da LAP configura-se, assim, como uma defesa do concreto contra o abstrato. Bento XVI, ao falar da crise antropológica, nos lembra que quando a liberdade humana se emancipa totalmente de qualquer dado prévio e “a liberdade de fazer converte-se em liberdade de fazer-se a si mesmo”, acaba por negar o próprio Criador e rebaixar o homem [1][3]. Essa reflexão teológica pode ser transposta para o campo jurídico: um ordenamento que se julga capaz de “refazer” a família de forma inteiramente voluntarista (ignorando biologia, laços afetivos genuínos e diferenças complementares) está, em última análise, degradando a essência do ser humano [1][3][4].
Manter a LAP, ao contrário, é manter viva na lei a verdade antropológica de que pai, mãe e filhos não são construções arbitrárias. Por isso, a luta em prol da lei ganha contornos de uma defesa civilizacional: é afirmar que nem tudo é fluido e passível de desconstrução, que certas responsabilidades e vínculos são perenes [3][4][14]. Cabe ressaltar: defender a LAP não implica cegueira às possíveis distorções em sua aplicação. Implica, isto sim, acreditar que tais distorções podem ser corrigidas sem destruir o instituto em si [8][14][21].
A advogada Renata Cysne sintetizou bem essa posição ao afirmar que culpar a lei pelos males da violência intrafamiliar é utilizar uma “cortina de fumaça”, desviando o foco dos verdadeiros problemas estruturais que carecem de enfrentamento (como a falta de preparo adequado de equipes técnicas e a morosidade judicial) [8][14]. A defesa do direito natural aqui não é defesa de imobilismo, mas de aprimoramento contínuo orientado a um ideal de justiça enraizado na natureza humana [1][3][4][8].
Se há um inconsciente coletivo sexista que às vezes prejudica as mulheres, como lembrou Berenice Dias [21], o antídoto não é privar todas as crianças de seus pais por precaução, mas conscientizar operadores do direito para julgarem caso a caso com isenção, distinguindo mães protetoras de falsas denúncias, pais afetivos de pais abusivos – tarefa complexa, porém factível com investimento em capacitação e protocolos [8][14][21].
Concluindo esta seção, a manutenção da Lei de Alienação Parental representa no Brasil um marco de resistência contra a diluição relativista dos vínculos familiares. É uma escolha jurídica que diz “não” à ideia de que laços de sangue e de cuidado podem ser tratados como indiferentes ou supérfluos. Em tempos de simulacros, afirma-se a prioridade do real: o real afeto, o real pai, a real mãe, a real criança com suas necessidades emocionais [7][10][11]. E se o país sustenta esse princípio em seu ordenamento, presta não só um serviço a seus cidadãos mirins e famílias, mas também um testemunho ao mundo de que a modernidade não precisa significar a destruição do perene – antes, pode significar a integração dos avanços (proteção a vítimas de violência, igualdade de gênero) sem sacrificar os fundamentos antropológicos que nos fazem genuinamente humanos [1][3][4][8][14].
5. Crise da Masculinidade: Diagnóstico e Resistência segundo Bento XVI
Um dos eixos condutores deste debate – embora muitas vezes implícito – é a questão da masculinidade contemporânea e seu papel na família. Não por acaso, a alienação parental frequentemente envolve a figura paterna como alvo da ruptura de vínculo, e a defesa da LAP tem sido articulada por diversos autores em paralelo à defesa da dignidade da paternidade [1][4][14].
Joseph Ratzinger, o Papa Bento XVI, oferece um diagnóstico profundo dessa crise da masculinidade em diversos pronunciamentos e escritos. Segundo ele, a desconstrução dos papéis sexuais tradicionais, promovida pela ideologia de gênero e afins, resulta numa perda de referências que deixa os homens sem um entendimento claro de sua missão na família e na sociedade [1][3]. A masculinidade autêntica, para Bento XVI, encontra-se intimamente ligada à capacidade de doação de si, ao sentido de responsabilidade e ao amor sacrificial – virtudes exemplificadas no ideal do pai de família que protege e guia seus filhos e entrega-se pelo bem dos seus [1][3][4].
Essa visão contrasta radicalmente com as caricaturas de masculinidade tóxica ou com a noção de que homens e mulheres seriam indiferenciados em tudo. No contexto atual, a crise da masculinidade manifesta-se de forma dúbia. Por um lado, alguns homens aderem a formas deturpadas de comportamento – seja a agressividade sem freios, seja a completa omissão e imaturidade – justamente por falta de modelos positivos e de validação social de seu papel [1][4][14]. Por outro lado, muitos homens bem-intencionados sentem-se acuados em exercer sua paternidade de modo pleno, temendo repressão social ou jurídica caso sejam firmes na educação ou caso busquem impor limites às influências externas que consideram nocivas aos filhos [1][4][11].
É inegável que movimentos legítimos de emancipação feminina trouxeram ganhos civilizatórios, porém um efeito colateral indesejado tem sido a difusão de uma retórica anti-masculina que vê com suspeição quase qualquer exercício de liderança ou autoridade masculina, mesmo quando benevolente [14][21]. Bento XVI adverte que a rejeição dos papéis naturais complementares (homem como pai, mulher como mãe, em igual dignidade porém com atributos que se somam) empobrece a família e a própria compreensão de paternidade e filiação [1][3]. Se tudo é intercambiável, ser pai vira um papel acidental, despido de valor próprio – e é isso que muitos jovens hoje internalizam, com consequências notórias na irresponsabilidade reprodutiva, ausência paterna, etc. [1][3][4][11][14].
A resistência a essa crise, na ótica ratzingeriana, passa em primeiro lugar pela recuperação do sentido espiritual e antropológico da paternidade. Significa reconhecer que a figura do pai remete, em última instância, à paternidade divina – ou seja, a um princípio de origem, de autoridade amorosa e de cuidado providente, sem o qual a criatura humana se sente abandonada no mundo [1][3]. Não surpreende que culturas laicistas e materialistas tendam a desvalorizar a paternidade, pois a própria ideia de Deus Pai lhes é estranha ou odiosa [1][3][4]. Bento XVI coloca que a crise do pai terreno anda de mãos dadas com a crise da fé no Pai celestial; restaurar uma ajuda a restaurar a outra [1][3]. Isso pode soar teológico demais para um artigo jurídico, mas tem implicações práticas: políticas públicas e leis que reforcem o engajamento responsável dos pais (como licenças-paternidade, programas de educação para pais, mediação familiar que envolva ativamente os homens) são importantes, mas insuficientes se não houver uma mudança cultural que volte a honrar a figura paterna [1][4][14].
Aqui a Lei de Alienação Parental tem um simbolismo adicional: ao punir quem prejudica deliberadamente a relação pai-filho, a sociedade emite um sinal de que ser pai presente importa e que o amor paterno tem valor – algo que hoje muitos homens precisam ouvir, num mundo que às vezes os faz sentir descartáveis no seio familiar [4][8][14].
Do ponto de vista do pensamento social católico, que Bento XVI representa, a legislação deve estar em harmonia com a lei natural e promover o bem comum. A Caritas in Veritate (2009) e outros documentos pontifícios salientam que não pode haver verdadeira justiça social se a célula familiar for fragilizada ou substituída por mecanismos coletivistas [2][3]. Defender a autoridade paterna legítima, dentro de uma concepção de família como comunhão de pessoas, é portanto uma causa de toda a sociedade, não apenas de um “privilégio masculino” [3][4]. Com efeito, quando se protege a presença paterna, protege-se a criança de um desequilíbrio afetivo e a mulher de arcar sozinha com responsabilidades [3][4][11][16].
Diversos estudos em ciências sociais indicam que a cooperação parental reduz riscos de pobreza, de abuso infantil, de evasão escolar, entre outros problemas [14][16]. Assim, a manutenção da LAP também pode ser vista por este ângulo: como uma peça em uma política maior de fortalecimento da família biparental, prevenindo males decorrentes da ausência paterna (ou materna) arbitrária [14][16][17].
Vale recordar que a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU (1989), em seu art. 9, estabelece o direito da criança de conviver com ambos os pais, salvo se isso conflitar com seu interesse, e o art. 18 exorta os Estados a apoiar pais e mães no desempenho de suas responsabilidades parentais [14][22]. Ou seja, paradoxalmente, a própria normativa internacional de direitos humanos reconhece a importância do pai e da mãe; o que se discute é a interpretação.
Defensores da revogação da LAP alegam que o melhor interesse da criança justificaria afastar o conceito de alienação para focar em violência de gênero; contudo, essa visão unilateral esquece que o melhor interesse real abrange tanto estar livre de violência quanto usufruir da presença de ambos os genitores [4][14][16][22].
Em resumo, Bento XVI nos oferece um norte: frente à engenharia social global que solapa fundamentos antropológicos, é preciso “reafirmar a verdade antropológica e espiritual do homem” [1][3]. No que tange à masculinidade e à paternidade, isso significa recolocar a figura do pai em seu devido lugar de honra e responsabilidade. A Lei de Alienação Parental, ao proteger a convivência familiar contra sabotagens motivadas por egoísmo ou vindita, se alinha a esse esforço de restauração. Ainda que laica em sua letra, ela se harmoniza com a concepção de família como instituição natural e querida pelo Criador, onde o pai é chamado a ser, não um tirano, mas um servidor líder pelo bem dos filhos [1][3][4][8].
Ao mesmo tempo, a mãe é igualmente reconhecida e protegida – afinal, a lei vale simetricamente para qualquer alienador, e seu objetivo último é a co-parentalidade saudável [4][8][14]. O que se defende, pois, não é um privilégio masculino, mas uma verdade relacional: de que pais e mães, homens e mulheres, precisam uns dos outros para realizar plenamente sua missão na família, e a criança precisa de ambos [14][16][17]. Essa é uma mensagem contra-cultural hoje, mas profundamente verdadeira e revolucionária no melhor sentido – “a revolução mais profunda da história humana”, que consiste em redescobrir, nas palavras de São Paulo, que “todos sois um só [em Cristo]” sem suprimir as distinções, mas vivendo-as em complementaridade.
6. A Polêmica em Torno de Richard Gardner e a Validade da Teoria da Alienação Parental
6.1 Gardner, SAP e o Estigma da Demonização
Nenhum debate sobre alienação parental estaria completo sem abordar sua origem terminológica controversa: a chamada Síndrome da Alienação Parental (SAP), proposta pelo psiquiatra infantil americano Richard A. Gardner em 1985. Gardner cunhou o termo ao observar, em casos de disputas de custódia acirradas, um padrão em que um dos pais supostamente “programava” a criança para romper vínculos com o outro genitor sem causa legítima. Segundo ele, essa programação induziria uma espécie de transtorno psicológico na criança, caracterizado por aversão injustificada e por ideação negativa persistente contra o genitor alvo – daí o rótulo de síndrome[8][14].
A ideia se espalhou rapidamente nos tribunais de família nos EUA e em outros países ao longo dos anos 1990, encontrando receptividade entre advogados e psicólogos forenses preocupados com situações em que crianças pareciam rejeitar um dos pais de forma aparentemente manipulada[14][23]. No Brasil, Gardner se tornou conhecido nos anos 2000, influenciando juristas como Maria Berenice Dias a introduzir a discussão, e acabaria inspirando a redação da LAP em 2010[8][9][14].
Todavia, Gardner cedo se tornaria uma figura polêmica. Além das controvérsias científicas em torno da SAP (que discutiremos adiante), a reputação de Gardner sofreu um golpe quase fatal devido a declarações e posicionamentos pessoais dele considerados altamente questionáveis. Em artigos e entrevistas, Gardner minimizou a gravidade de certos abusos sexuais infantis, insinuando que a sociedade tinha postura excessivamente punitiva contra pedófilos e que crianças poderiam em alguns casos se beneficiar eroticamente do contato com adultos – ideias profundamente chocantes e sem respaldo científico ou ético[23]. Tais afirmações, quando vieram à tona, provocaram repúdio generalizado na comunidade acadêmica e jurídica. Gardner passou a ser pintado não apenas como um teórico equivocado, mas como alguém moralmente comprometido, um possível apologista de pedofilia. Com isso, a síndrome da alienação parental foi “contaminada” pelo estigma de seu proponente. Muitos passaram a rejeitar o conceito total e automaticamente, associando-o a uma espécie de artifício criado por um indivíduo de ideias abhorrentes[14][23].
No cenário brasileiro e internacional, essa demonização de Gardner teve impactos concretos. Advogados de vítimas de abuso argumentavam que a SAP era uma invenção de um autor sem credibilidade, usada em tribunais para desacreditar acusações legítimas de violência sexual e doméstica. Algumas organizações feministas e de direitos infantis lançaram campanhas para “desmascarar a SAP”, equiparando-a a junk science (pseudociência) criada para servir a pais abusadores[9][14][23]. Em muitas universidades e conferências, mencionar a SAP de Gardner tornou-se quase tabu, com receio de sofrer reprimendas ideológicas. A figura de Gardner ofuscou o debate sobre o fenômeno em si da alienação parental – ou seja, perdeu-se de vista a pergunta se de fato existem casos de indução à rejeição injustificada, independentemente de terminologia[9][14].
Em suma, para um segmento influente da opinião especializada, desqualificar a SAP de Gardner equivalia a anular qualquer possibilidade de se falar em alienação parental. É importante sublinhar que a indignação com as posturas pessoais de Gardner é absolutamente compreensível; suas falas sobre abuso sexual são indefensáveis. No entanto, do ponto de vista metodológico, misturar o autor com a ideia pode levar a equívocos. Afinal, não seria a primeira vez que um conceito válido nasce de um autor pessoalmente problemático. Por exemplo, a psicanálise freudiana trouxe intuições úteis apesar das controvérsias em torno de Freud; a separação entre obra e autor é uma cautela acadêmica necessária[23]. No caso, o efeito colateral da demonização foi um certo congelamento das pesquisas sobre como lidar com acusações falsas ou manipuladas em disputas de guarda – pois qualquer um que se aventurasse a estudar isso corria o risco de ser associado à infâmia de Gardner. Alguns especialistas apontam que esse clima de intimidação acadêmica atrasou em pelo menos uma década o progresso em compreender e diferenciar situações de alienação parental genuínas daquelas de alegações de abuso verídicas[8][14][23]. Apenas a partir da metade dos anos 2010 é que a comunidade científica parece ter conseguido retomar o tópico com mais isenção, separando o joio do trigo[14][23].
6.2 Críticas Científicas e Limites da Teoria Original
Independentemente dos aspectos pessoais, a teoria original da SAP de Gardner enfrentou críticas científicas substanciais. Desde o início, diversos psicólogos e psiquiatras questionaram a solidez empírica e conceitual da proposta de Gardner[8][23]. Algumas das principais objeções foram:
- Falta de critérios diagnósticos claros: Gardner definia a SAP por um conjunto de sintomas (como campanha de denegrimento do genitor alvo, racionalizações fracas para a depreciação, etc.), mas não forneceu critérios objetivos ou escalas validadas para identificar esses sintomas. Isso tornava a aplicação muito subjetiva e vulnerável a interpretações enviesadas. Diferentes profissionais poderiam rotular casos como SAP sem um padrão consistente de avaliação[14][23].
- Ausência de reconhecimento por entidades de saúde: A SAP não foi incluída nos manuais diagnósticos oficiais como o DSM (Manual da Associação Psiquiátrica Americana) ou a CID da OMS. As associações profissionais (APA, por exemplo) explicitamente evitaram endossá-la. Isso não significa que a ideia seja falsa por si, mas indica que não havia consenso ou evidência suficiente para considerá-la uma condição mental estabelecida[14][23].
- Risco de encobrir abusos reais: Uma das críticas mais frequentes – e de maior peso ético – é que a invocação de SAP em tribunais teria sido usada para desqualificar denúncias legítimas de abuso sexual ou violência contra crianças, especialmente quando a mãe as reportava durante disputas de guarda[9][23]. Havia (e há) o temor de que proclamando “isso é SAP”, advogados conseguiriam neutralizar a voz da criança ou do genitor denunciante, levando juízes a ignorar sinais verídicos de perigo para a criança[9][23].
- Viés de gênero na aplicação: Estudos como o levantamento de decisões no Rio Grande do Sul (2019-2020) mostraram que mais de 90% dos acusados de alienação parental eram mulheres (mães ou responsáveis do sexo feminino)[14][23]. Embora isso reflita em parte o fato de que, na maioria dos casos, as crianças residem com as mães após a separação, críticos enxergam aí um padrão sexista: estaria-se predisposto a crer que a mãe é a alienadora histérica ou vingativa, enquanto o pai (mesmo que violento) seria visto como vítima inocente da manipulação feminina[14][23]. Esse viés reforçaria estereótipos nocivos (a “mãe má, mentirosa; pai bonzinho injustiçado”).
- Base empírica frágil: Revisões de literatura apontaram que muitos estudos citados para validar a SAP eram anedóticos ou clínicos, sem método robusto. Joan Meier (2013) e outros pesquisadores realizaram research reviews indicando que não havia comprovação sólida de que a SAP fosse uma “síndrome” nos termos psiquiátricos tradicionais[23]. Além disso, faltavam estudos longitudinais demonstrando as supostas consequências específicas da SAP nas crianças, distintas de outras consequências de conflitos parentais intensos[23].
- Instrumentalização jurídica indevida: Houve casos de uso quase estratégico da alegação de alienação: advogados orientando clientes a acusar o ex-cônjuge de alienador tão logo este levantasse qualquer denúncia de abuso ou manifestasse resistência nas visitas. Essa banalização instrumental prejudicou a credibilidade do conceito e, pior, poderia perpetuar uma violência institucional contra mulheres e crianças, re-vitimizando quem já sofrera agressão física/sexual ao silenciá-los sob o rótulo de “alienadores”[9][14][23].
Diante de críticas tão sérias, a prudência recomenda de fato evitar falar em “síndrome” ou adotar cegamente os postulados de Gardner. Os avanços legislativos brasileiros também refletiram essa cautela: a Lei 12.318/2010 não menciona em nenhum momento o termo síndrome, tratando a alienação parental como um conjunto de comportamentos ilícitos, não como patologia da criança[8][9][11][14]. Isso já foi um passo no sentido de acolher parte das críticas: a lei não exige que o filho esteja “mentalmente doente” devido à alienação, basta que haja indícios de atos do genitor que atentem contra a relação com o outro (princípio da intervenção precoce)[8][9][11][14].
Ademais, a reforma de 2022 reforçou mecanismos para prevenir injustiças: determinou, por exemplo, que se houver alegação simultânea de alienação parental e de violência doméstica/sexual, o juiz deve garantir que ambas as alegações sejam investigadas por vias próprias (família e criminal), sem que uma automaticamente invalide a outra[11][12][14]. Essa abordagem busca impedir a hierarquização apriorística das violências – nem presumir que toda denúncia de abuso é falsa (como alguns defensores radicais de SAP faziam), nem presumir que toda alegação de alienação é má-fé para acobertar abuso (como alguns críticos fazem). Ao contrário, impõe-se uma análise técnica, caso a caso, com equipe multidisciplinar, acelerando os procedimentos para minimizar o tempo de indefinição que é extremamente danoso à criança (tanto no abuso quanto na alienação)[14][17][23].
Em suma, as críticas científicas à teoria de Gardner serviram para depurar o conceito e alertar para seus possíveis abusos. Hoje, já se reconhece amplamente que “SAP” como síndrome psiquiátrica formal é inadequado – e de fato não se busca incluir tal entidade nos manuais. Porém, isso não equivale a dizer que todo o fenômeno seja uma miragem. Abordemos então a seguir as evidências de que, quando bem delimitado, existe um fenômeno real de alienação parental que merece ser identificado e enfrentado.
6.3 Elementos de Validade e Reconhecimento do Fenômeno
Superadas as armadilhas ideológicas e terminológicas, impõe-se a constatação: o fenômeno da alienação parental existe e causa danos. A literatura científica mais recente vem distinguindo cuidadosamente o conceito geral (parental alienation) dos equívocos da “síndrome” de Gardner, acumulando evidências sobre como identificar casos genuínos e como manejá-los[11][14][24].
Dentre os pontos de relativo consenso atual, destacam-se:
- Casos observáveis empiricamente: Diversos estudos de caso e pesquisas qualitativas documentaram situações em que crianças, antes apegadas a certo genitor, passam a rejeitá-lo veementemente após a separação, sem que haja uma razão concreta que justifique tal mudança brusca (como abuso ou abandono). Esses relatos, colhidos em diferentes culturas, apresentam padrões semelhantes, sugerindo tratar-se de uma realidade psicossocial recorrente, não de mera invenção narrativa. Por exemplo, depoimentos de crianças adultas que mais tarde percebem ter sido manipuladas contra um dos pais conferem autenticidade ao fenômeno[14][24].
- Critérios diagnósticos aprimorados: Pesquisadores como Amy Baker e colegas propuseram modelos de avaliação, como o Modelo dos Quatro Fatores, para determinar se um caso configura alienação parental legítima[20]. Os quatro fatores incluem: (1) existência prévia de vínculo positivo entre a criança e o genitor rejeitado; (2) ausência de histórico de abusos ou negligência grave por parte do genitor rejeitado; (3) uso de comportamentos alienadores pelo outro genitor (documentados por testemunhos, mensagens, laudos); (4) presença de sinais na criança compatíveis com indução (como discurso repetitivo, críticas exageradas e sem base real, falta de ambivalência). Esse tipo de abordagem fornece um filtro objetivo: só se conclui ser alienação se todos os fatores estiverem presentes – evitando confundir, por exemplo, uma rejeição fundada em abuso real (fator 2 negativo) com alienação[20][24].
- Reconhecimento em classificações recentes: Embora ainda controverso, houve um passo significativo: a CID-11 (11ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças, OMS) incluiu, em 2022, a “alienação parental” como um índice dentro do código QE52.0 (“problema no relacionamento entre cuidadores e criança”). Não se trata de reconhecer síndrome psiquiátrica na criança, mas de listar a alienação parental como um possível contexto de problema relacional que profissionais de saúde mental podem registrar[24]. Ademais, a OMS publicou um FAQ esclarecendo que o termo pode ser usado clinicamente para descrever situações de rejeição sem fundamento, embora sem validar nenhuma “síndrome” específica. Isso indica que a maior organização de saúde vê, ao menos, fundamento no conceito fenomênico[24].
- Capacidade de diferenciação pelos profissionais: Pesquisas com psicólogos jurídicos demonstraram que, quando bem treinados, eles conseguem diferenciar com confiabilidade casos de alienação daqueles em que a rejeição do pai decorre de fatores legítimos (como histórico de violência). Em outras palavras, avaliadores periciais são capazes de identificar sinais típicos de uma criança alienada (por exemplo, ausência de ambivalência – a criança não reconhece nada de bom no genitor alvo, coisa incomum mesmo em vítimas de abuso; uso de falas que parecem decoradas ou vindas de adultos; ódio desproporcional etc.) versus sinais de crianças abusadas (medo genuíno, relatos espontâneos de eventos traumáticos, sintomas de estresse pós-trauma, etc.)[14][20]. Essa linha de pesquisa refuta a ideia de que seja “impossível” distinguir uma alegação falsa de uma verdadeira – não é fácil, demanda perícia, mas não é inviável. Logo, dotar o sistema jurídico de equipes capacitadas e protocolos é o caminho para minimizar erros, ao invés de abdicar de intervir[11][14][20].
- Efeitos nocivos comprovados: Já há evidências suficientes de que crianças sujeitas à alienação parental sofrem impactos negativos profundos em sua saúde mental. Estudos apontam correlações entre alienação severa e problemas como ansiedade, depressão, baixa autoestima, dificuldades de formar relacionamentos de confiança e até transtornos de identidade. Quando adultas, muitas relatam arrependimento e sofrimento ao descobrir que foram manipuladas e perderam anos (ou toda uma infância) de relacionamento com o pai ou mãe alienado. Por seu turno, o genitor alvo pode desenvolver síndrome do “coração partido”, com depressão grave e até risco suicida, diante da perda do vínculo filial[14][21][24]. Em suma, alienação parental é uma forma de abuso emocional, como reconhece, por exemplo, a Sociedade de Pediatria de São Paulo[21][24]. Ainda que não intencione ferir fisicamente, o genitor alienador fere psiquicamente a criança ao privá-la do amor de alguém que ela ama (ou amava), além de implantar-lhe falsas memórias ou medos infundados.
Diante disso, muitos sistemas jurídicos mundo afora, mesmo sem ter uma lei específica, têm buscado formas de lidar com a questão. Tribunais italianos, espanhóis e de alguns estados americanos já reconhecem a alienação parental como fato nas sentenças, determinando invertê-la quando possível (ex.: mudando guarda para proteger a criança da manipulação) ou ordenando terapias de reunificação familiar[11][14]. Na América Latina, países como México e Chile discutiram projetos de lei semelhantes à brasileira; a Argentina, por influência da Defensora de Niños e de críticas de gênero, por ora rejeitou incorporar o termo, mas o debate continua[14].
Ou seja, a tendência não é negar o fenômeno, mas encontrar o melhor modo de abordá-lo. Um importante esclarecimento a fazer é que reconhecer a alienação parental não significa, de forma alguma, tolerar ou relativizar a violência doméstica real. Essa dicotomia que certos discursos colocam (ou se crê nas mães ou se crê na alienação) é falsa e perigosa[11][14]. Conforme já frisado, é perfeitamente possível que num mesmo caso coexistam violência e alienação – por exemplo, um pai violento e abusivo que consiga reverter o jogo e acusar a mãe de alienação, ou inversamente uma mãe alienadora que, ao ser confrontada, falsamente acuse o pai de abuso para afastá-lo de vez. O sistema de justiça deve estar preparado para esses cenários complexos, sem fórmulas prontas[11][14][24].
É animador notar que a legislação brasileira, com as últimas mudanças, caminha nesse sentido: procedimentos céleres e coordenados entre varas de família e varas criminais, evitando decisões contraditórias e protegendo a criança em todas as frentes[11][14][17]. Por fim, cabe mencionar também os aspectos positivos observados quando a lei é bem aplicada. Muitos casos de alienação leve ou moderada podem ser revertidos com intervenções mínimas – por exemplo, um alerta judicial ou encaminhamento a terapia faz o genitor alienador recuar ao perceber que sua conduta foi notada e não será tolerada[11][17][24]. A criança, nesses casos, rapidamente retoma contato afetivo normal com o outro genitor quando cessa a campanha negativa. Em casos mais graves, a atuação firme (mudança de guarda temporária, visitas monitoradas ao alienador) pode ser necessária, mas há registros de sucesso: crianças que, afastadas da influência tóxica por algum tempo, conseguiram recuperar o vínculo perdido e depois reestabelecer uma convivência equilibrada com ambos os pais. Esses “finales felizes” raramente viram notícia, mas existem e significam vidas e relações familiares restauradas. São frutos de uma aplicação sensata da lei, focada no melhor interesse afetivo da criança, conforme enfatiza a advogada Cysne[11][12][24]. E cada caso assim justifica a existência da LAP: sem ela, talvez tais reaproximações jamais ocorressem, enterradas sob anos de litígio infrutífero.
Conclusão
Em meio a uma época de incertezas e revisionismos antropológicos, a manutenção da Lei de Alienação Parental no Brasil desponta como uma causa que extrapola o âmbito jurídico, adentrando o terreno da defesa da própria realidade humana básica[1][2][3][4]. Constatamos, ao longo deste artigo, que a disputa em torno da LAP espelha tensões profundas: de um lado, forças culturais e políticas que propugnam uma reconstrução ilimitada das instituições e papéis tradicionais – em particular da família e da paternidade – mesmo ao custo de dilacerar vínculos naturais; de outro, a resistência daqueles que reconhecem na família natural um patrimônio insubstituível, que deve ser preservado e renovado, não demolido[1][4][6].
Amparados em reflexões de Bento XVI, Baudrillard, Sanahuja, Bernardin e outros pensadores, situamos a campanha contra a lei brasileira como parte de um projeto de engenharia social global, onde a desconstrução do masculino e a transferência da autoridade parental ao Estado servem a uma agenda de poder que visa instaurar uma sociedade padronizada, regida por simulacros ideológicos[3][4][5][6]. Nesse contexto, a legislação que protege a convivência familiar e reconhece direitos naturais dos pais torna-se um alvo a ser removido pelos artífices dessa “hiper-realidade” pós-moderna.
Entretanto, vimos também que, do ponto de vista da realidade empírica e do ordenamento interno, a Lei de Alienação Parental se justifica amplamente. Longe de ser um corpo estranho pseudocientífico, ela traduz em normas concretas a necessidade de resguardar crianças de abusos emocionais sutis porém devastadores. Ao fazê-lo, harmoniza-se com princípios constitucionais e internacionais que preconizam o direito da criança à convivência familiar e à proteção integral[7][12][24]. Os temores legítimos de mau uso da lei não se ignoram – foram aqui abordados e contrabalançados com as evoluções normativas e procedimentais adotadas para mitigá-los, como a Lei 14.340/2022, os protocolos do CNJ e a crescente capacitação de equipes interdisciplinares[12][17][24]. Os desafios operacionais permanecem, mas são passíveis de solução dentro do paradigma atual, sem requerer a ab-rogação completa do instituto.
Abrogar a LAP, ao contrário, representaria um grave retrocesso. Significaria voltar a um tempo em que manipulações insidiosas nas disputas de guarda ficavam sem nome e sem enfrentamento claro, em que crianças poderiam ser afastadas de um de seus pais por intrigas e falsas narrativas sem que o sistema dispusesse de uma ferramenta específica para reagir. Também enviaria uma mensagem simbólica perigosa: a de que o Estado brasileiro abdica de proteger certos vínculos familiares basilares diante de pressões ideológicas[3][4][12]. Como enfatizou Renata Cysne, a revogação “enfraqueceria a rede de proteção infantil… tornando-a deficiente”[12], e isso em um país onde, tragicamente, os índices de violência intrafamiliar já são alarmantes[11][12][24]. Em vez de fortalecer a proteção, a revogação criaria uma falsa sensação de vitória ideológica às custas do interesse das crianças – trocando uma pretensa correção política por um vácuo jurídico nocivo.
Ao concluir, cabe reafirmar a legitimidade intrínseca da Lei de Alienação Parental no contexto de crise antropológica atual. Mais que uma lei, ela é um statement cultural de que o Brasil reconhece a importância de pai e mãe na vida dos filhos e repudia manobras que rompam esses laços injustamente. Em meio a um mundo que relativiza tudo, a LAP finca o pé em alguns absolutos simples: criança não é propriedade de um genitor só; amor de pai e de mãe não se substituem mutuamente, mas se somam; rompê-los deliberadamente é errado e causa sofrimento[2][11][24]. Esses enunciados decorrem tanto da ética natural (inscrita na consciência humana) quanto de constatações científicas de décadas de pesquisa sobre desenvolvimento infantil. Defender a lei, portanto, é defender as crianças – seu direito a ter pai e mãe atuantes –, é defender os pais amorosos – seu direito de exercer plenamente seu papel –, e é defender a sociedade – que se nutre de famílias estruturadas e vínculos afetivos saudáveis para prosperar.
Nas palavras de Bento XVI, “a família é a célula vital da sociedade” e destruí-la redunda na ruína de todo o edifício social[1][4][5]. A Lei de Alienação Parental, em última análise, protege essa célula vital contra uma forma insidiosa de destruição: aquela que, sorrateiramente, alija o pai (ou a mãe) do coração de uma criança. Que o Brasil, em sua sabedoria jurídica e humanista, mantenha acesa essa centelha de verdade antropológica na lei. E que, aprimorando a sua aplicação com equilíbrio e justiça, consigamos transformar as tensões hoje existentes em oportunidades de aprendizado – para construir um direito de família verdadeiramente comprometido com o bem-estar integral da criança e a dignidade da família, em toda a sua verdade natural.
Em tempos de tantas desconstruções, manter de pé o que é essencial já é em si um ato revolucionário. A Lei de Alienação Parental, nesse sentido, é revolucionária: ela insiste que pai, mãe e filhos importam – e que nenhuma engenharia social deverá prevalecer sobre esse fato primordial[2][4][5][11][24].
Referências
[1] Bento XVI (Papa Emérito Joseph Ratzinger). Discurso à Cúria Romana – 21 de dezembro de 2012. Disponível em: https://ipco.org.br/bento-xvi-e-a-luta-pela-familia-nao-e-uma-coisa-do-passado/ Acesso em: 09 jul. 2025.
[2] Bento XVI. Carta Encíclica Caritas in Veritate – 29 de junho de 2009. Disponível em: https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate.html Acesso em: 09 jul. 2025.
[3] Bernardin, Pascal. Maquiavel Pedagogo: ou o Ministério da Reforma Psicológica. Permanência, 1995.
[4] Sanahuja, Juan C. Poder Global e Religião Universal. Ecclesiae, 2011.
[5] Baudrillard, Jean. Simulacros e Simulação. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1991.
[6] Baudrillard, Jean. Simulacres et Simulation. Paris: Galilée, 1981.
[7] Brasil. Lei n. 12.318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre alienação parental e altera o art. 236 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 ago. 2010.
[8] Brasil. Lei n. 14.340, de 18 de maio de 2022. Altera a Lei n. 12.318/2010 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, aprimorando medidas contra alienação parental. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 mai. 2022.
[9] Cysne, Renata N. (IBDFAM). “Especialista responde às principais controvérsias sobre a Lei da Alienação Parental”. IBDFAM News, 31 ago. 2023. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/11140/A+Lei+da+Alienacao+Parental+e+suas+controversias Acesso em: 09 jul. 2025.
[10] Alsalem, Reem (Relatora ONU). Relatório A/HRC/53/36 – Custódia, violência contra mulheres e crianças, 13 abr. 2023. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/2023/06/23/onu-critica-lei-alienacao-parental-brasil.htm Acesso em: 09 jul. 2025.
[11] Stolz, S.; Lemos, S. & cols. “The syndemic gender violence in judicial discourses that apply the parental alienation law”. Revista Jurídica, v.73, p.614-639, 2023. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/2023/06/23/onu-critica-lei-alienacao-parental-brasil.htm
[12] Meier, Joan S. “Parental Alienation Syndrome and Parental Alienation: A Research Review”. VAWnet, Sept. 2013. Disponível em: https://mgaleg.maryland.gov/cmte_testimony/2022/jud/1s7MIUn0VnqNPL7oBqYCBZ9m4PZrINlft.pdf
[13] Baker, Amy J.L. et al. “Reliability and validity of the Four-Factor Model of parental alienation”. Journal of Family Therapy, 42(1):100-118, 2020. Disponível em: https://www.bibbase.org/network/publication/baker-harman-millar-evidenceofparentalalienationareview-2016
[14] Silveira, M.R.; Di Lucca, R. “Alienação Parental”. Pediatra Informe-se, n.156, mar/abr 2011. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/267368973_Alienacao_Parental Acesso em: 09 jul. 2025.
[15] UOL/DW. “A controvérsia em torno da Lei de Alienação Parental”. Notícias UOL, 03 set. 2023. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/2023/09/03/lei-alienacao-parental-criticas-reforma-revogacao.htm
[16] IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. “Entenda a Lei da Alienação Parental e os debates atuais sobre sua reforma”. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/11087/Lei+da+Alienacao+Parental Acesso em: 09 jul. 2025.
[17] CNJ – Conselho Nacional de Justiça. “Protocolos Interdisciplinares e Melhores Práticas sobre Alienação Parental”. Disponível em: https://www.cnj.jus.br Acesso em: 09 jul. 2025.
[18] ONU – Convenção sobre os Direitos da Criança. Assembleia Geral das Nações Unidas, 1989. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca
[19] Brasil. Código Civil. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002.
[20] IBDFAM – “O melhor interesse da criança no direito brasileiro”. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/10836/Melhor+Interesse+da+Crian%C3%A7a
[21] UN – World Health Organization. “ICD-11 for Mortality and Morbidity Statistics (Version: 01/2022).” Disponível em: https://icd.who.int/browse11/l-m/en#/QE52.0
[22] World Health Organization. “Parental Alienation FAQ.” Disponível em: https://www.who.int/news-room/questions-and-answers/item/parental-alienation
[23] Notícias UOL. “Lei de Alienação Parental: Criticada, polêmica e reformada”. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/2022/05/20/lei-alienacao-parental-reforma-pl.htm
[24] IBDFAM – “Por que não revogar a Lei da Alienação Parental?”. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/11148/Por+que+nao+revogar+a+Lei+da+Alienacao+Parental
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