Em tempos de tensões ideológicas, em que muitas leis passam a ser julgadas mais por suas distorções do que por seus propósitos, é urgente reafirmar que a alienação parental é um fenômeno real, grave e danoso — com ou sem a existência de uma legislação específica que o nomine.
Ainda que venha a ser revogada a Lei nº 12.318/2010, como pretendem alguns setores, a responsabilidade do Estado e da sociedade de proteger crianças e adolescentes de abusos emocionais e manipulações afetivas não pode ser relativizada nem suprimida.
O que está em jogo?
A alienação parental é uma forma de violência invisível, mas de efeitos devastadores. O afastamento forçado, gradual ou estratégico de um dos genitores (ou de familiares afetivos importantes) compromete o desenvolvimento emocional da criança, gera prejuízos psicológicos duradouros e fere frontalmente princípios constitucionais, como o melhor interesse da criança (art. 227 da CF/88) e o direito à convivência familiar (art. 19 do ECA).
É importante lembrar que, mesmo antes da Lei 12.318/2010, a alienação parental já era reconhecida pela doutrina, pela psicologia forense e por decisões judiciais como conduta lesiva ao desenvolvimento infantil. A lei, portanto, não criou o problema — apenas o nomeou e organizou os meios jurídicos de enfrentamento.
Revogar a lei é apagar as vítimas?
A campanha contra a Lei da Alienação Parental costuma partir de argumentos legítimos: o risco de uso estratégico por agressores, a banalização do instituto, a inversão indevida de guardas. Contudo, a solução para eventuais distorções não é a revogação total, mas o aperfeiçoamento legal, o rigor técnico e o bom senso judicial.
Ao eliminar completamente o arcabouço jurídico que permite identificar, prevenir e sancionar a prática de alienação, estaremos desprotegendo milhares de crianças que hoje têm seus vínculos rompidos por manipulações emocionais — muitas vezes disfarçadas de zelo.
A alienação parental não é um delírio ideológico
A tentativa de rotular a alienação parental como um “instrumento jurídico criado para proteger pais abusadores” é, além de injusta, perigosa. Assim como qualquer instituto jurídico, ela pode ser usada de má-fé — mas isso não invalida sua essência nem sua necessidade.
É necessário desideologizar a infância. A criança precisa de proteção integral, e isso inclui o direito de amar ambos os genitores. Promover a convivência saudável entre pais e filhos, ainda que separados por conflitos conjugais, não é um favor — é um dever jurídico e ético.
Mesmo sem a lei, a proteção continua sendo obrigação
Mesmo que a Lei 12.318/2010 venha a ser revogada — o que, aliás, ainda não ocorreu — o ordenamento jurídico brasileiro continua dispondo de instrumentos suficientes para coibir a alienação parental, com base em:
- Princípios constitucionais do afeto, da dignidade humana e da convivência familiar;
- Artigos do Código Civil sobre guarda, deveres parentais e responsabilidade civil;
- Preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente, que asseguram a convivência familiar e comunitária como direito fundamental.
O que se exige é compromisso técnico, formação adequada dos operadores do Direito e sensibilidade social, para que essa violência silenciosa não seja confundida com mero conflito conjugal.
Conclusão: a causa não termina com a lei
O Instituto de Defesa dos Direitos do Homem reafirma seu posicionamento: a alienação parental é uma violação dos direitos da criança e deve ser combatida com firmeza, com ou sem legislação específica.
Se a lei for revogada, que se reforce a rede de proteção; que se aperfeiçoe a escuta da criança; que se capacitem juízes, promotores, defensores, psicólogos e advogados para distinguir conflitos legítimos de manipulações destrutivas.
Porque proteger os vínculos afetivos de uma criança é, acima de tudo, proteger sua identidade, sua saúde emocional e seu futuro.