Resumo
Este ensaio aprofunda a crítica ao Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Sustentamos que a introdução de filtros identitários no processo penal brasileiro reedita o “direito penal do autor” da Escola de Kiel (1933‑45) e reproduz distorções sistemáticas observadas na Ley Orgánica 1/2004 espanhola e na Ley General de Acceso de las Mujeres a una Vida Libre de Violencia (LGAMVLV) mexicana. O protocolo, inscrevendo-se na lógica de guerra híbrida cultural, fragiliza pilares do Estado de Direito – imparcialidade, legalidade estrita e presunção de inocência. Defende-se, por conseguinte, a aprovação do PDL 89/2023 como barreira legislativa indispensável.
1 Introdução – Direito, tecnocracia e poder global
Pascal Bernardin, em De l’égalitarisme à la tyrannie (1995) e L’empire écologique (1998), demonstra como organismos multilaterais fabricam consensos “técnicos” que ocultam projetos igualitaristas. Esses projetos desarticulam mediações tradicionais (família, religião, corpos intermediários) em favor de uma governança transnacional.
Crises institucionais criam janelas de oportunidade para tal captura normativa. A Resolução CNJ 492/2023, ao tornar obrigatório o “Protocolo de Gênero”, internaliza diretrizes exógenas sem chancela legislativa formal, relativizando garantias processuais centrais.

1.1 O contexto brasileiro contemporâneo
O Conselho Nacional de Justiça publicou em 17 de março de 2023 a Resolução 492, estabelecendo a obrigatoriedade do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero em todo o Poder Judiciário brasileiro. Este documento, fruto do Grupo de Trabalho instituído pela Portaria CNJ 27/2021, teve como referência o “Protocolo para Juzgar con Perspectiva de Género” mexicano, criado após determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
A implementação do protocolo representa uma mudança paradigmática no sistema de justiça brasileiro, introduzindo critérios de valoração baseados em “marcadores identitários” e “desigualdades estruturais”. O CNJ criou inclusive um Banco de Sentenças e Decisões com aplicação do Protocolo para documentar essa transformação.
2 Escola de Kiel e “direito penal do autor”

2.1 Fundamentos ideológicos
Entre 1933 e 1945, a Kieler Schule redefiniu a dogmática penal alemã, substituindo a categoria do fato pela categoria do autor – isto é, punia‑se a “perversidade de caráter” revelada na identidade do réu. Em 28/6/1935, o § 2 do Código Penal Alemão declarava: “Será punido quem cometer ato que mereça pena conforme os princípios fundamentais do Direito penal e de acordo com o são sentimento do povo”.
2.2 A estrutura da Escola de Kiel
Eugenio Raúl Zaffaroni, em “Doutrina Penal Nazista: A Dogmática Penal Alemã entre 1933 a 1945”, documenta como a Escola de Kiel emergiu como o principal centro de produção teórica do direito penal nazista, sendo conhecida como “faculdade da tropa de choque” (Stosstruppfakultät). Sob a liderança de jovens professores como Georg Dahm e Friedrich Schaffstein, a escola desenvolveu teorias que substituíram o princípio da legalidade por uma noção vaga de “são sentimento do povo alemão”.
As construções teóricas baseavam-se na ideia de que a essência do crime estava na violação do dever, em vez da lesão a um bem jurídico, priorizando conceitos como honra, lealdade e dever no centro da dogmática penal. O “direito penal de vontade” (Willensstrafrecht), formulado por Roland Freisler, via o direito penal como expressão direta da essência da comunidade popular.
2.3 Estrutura normativa comparada
Elemento dogmático | Escola de Kiel (1935) | Protocolo CNJ (2023) |
---|---|---|
Critério de valoração | “Sentimento do povo” | “Perspectiva de gênero, raça, interseccionalidade” |
Conceito de fato | Subordinado ao autor | Subordinado à identidade |
Garantias processuais | Abolidas/invertidas | Abaladas/invertidas |
Base de legitimação | Ideologia racial | Ideologia de gênero |
Método probatório | Presunções identitárias | Presunções estruturais |
2.4 O Tribunal do Povo e a jurisdição de exceção
O Tribunal do Povo (Volksgerichtshof), estabelecido em 24 de abril de 1934, institucionalizou o terror judicial nazista. Composto por dois juízes togados e três juízes leigos escolhidos pelo regime, o tribunal operava com total desprezo pelos princípios básicos do devido processo legal. Esta estrutura encontra paralelos contemporâneos na criação de órgãos especializados que operam com critérios diferenciados de valoração probatória.
A similitude estrutural invalida a acusação de falácia reductio ad Hitlerum: não se faz simples analogia retórica; expõe‑se paralelismo jurídico funcional.
3 Protocolo CNJ – anatomia de uma soft‑law coercitiva
O Cap. II do Protocolo determina que o juiz “observe marcadores identitários” (art. 6.º) e “valorize o relato da vítima à luz da desigualdade estrutural” (art. 10). A prática multiplica presunções pró‑acusação, invertendo o ônus probatório. Luigi Ferrajoli lembra que garantismo exige subsunção estrita do fato típico; alterar‑lhe o ponto de partida equivale a subverter o sistema acusatório.
3.1 Os dez axiomas ferrajolianos e sua violação
Ferrajoli estabelece dez princípios fundamentais do sistema garantista:
- Nulla poena sine crimine (não há pena sem crime)
- Nullum crimen sine lege (não há crime sem lei)
- Nulla lex poenalis sine necessitate (não há lei penal sem necessidade)
- Nulla necessitas sine injuria (não há necessidade sem ofensa)
- Nulla injuria sine actione (não há ofensa sem ação)
- Nulla actio sine culpa (não há ação sem culpa)
- Nulla culpa sine judicio (não há culpa sem julgamento)
- Nullum judicium sine accusatione (não há julgamento sem acusação)
- Nulla accusatio sine probatione (não há acusação sem prova)
- Nulla probatio sine defensione (não há prova sem defesa)
O Protocolo CNJ viola especialmente os axiomas 9 e 10, ao autorizar valoração diferenciada de provas com base em critérios identitários e estruturais, relativizando o contraditório e a ampla defesa.
3.2 Implementação e monitoramento

A Resolução 492/2023 institui dois comitês para implementação e monitoramento: o Comitê de Acompanhamento e Capacitação sobre Julgamento com Perspectiva de Gênero e o Comitê de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário. Estes órgãos têm competência para avaliar o cumprimento das diretrizes e podem influenciar na concessão do “Prêmio CNJ de Qualidade”.
O sistema prevê ainda a capacitação obrigatória de magistrados em “direitos humanos, gênero, raça e etnia, em perspectiva interseccional”, transformando a função jurisdicional em ativismo social institucionalizado.
4 Ley Orgánica 1/2004 – um laboratório de engenharia jurídica
4.1 Gênese política e estrutura legal
Aprovada em 22/12/2004, sob forte pressão midiática após o assassinato de Ana Orantes (1997), a Lei espanhola criou:
- Juizados de Violência sobre a Mulher (JVM) com competência penal e cível exclusiva.
- Tipo penal autônomo de “violencia de género” (art. 153.1 CP).
- Penas agravadas quando o agressor é homem e a vítima, mulher com vínculo afetivo.
4.2 Dados estatísticos atualizados e impacto real
Fiscalía General del Estado, Memoria 2023: 169.155 denúncias em 2022; 75% arquivadas por ausência de prova ou retratação.
CGPJ, Datos 2024: 35% das sentenças condenatórias baseiam-se exclusivamente no depoimento da vítima.
Estudio MacroDatos 2025: A taxa de homicídios femininos caiu 9% entre 2004-2024, mas homicídios masculinos intrafamiliares subiram 14%. A disparidade sugere deslocamento do risco, não redução global da violência.
4.3 Análise temporal detalhada (2009-2019)
O estudo de Pastor-Gosálbez et al. (2021) revela dados preocupantes sobre a evolução da Lei 1/2004:
- Denúncias: Aumento de 24% no período (base 100 em 2009)
- Ordens de proteção: Redução de 0,88% (41.081 em 2009 vs 40.720 em 2019)
- Taxa de cobertura: Queda de 6 pontos percentuais (30,3% em 2009 vs 24,2% em 2019)
Estes dados indicam que há uma ordem de proteção para cada 4,12 denúncias em 2019, contra uma para cada 3,29 denúncias em 2009, sugerindo crescente ineficácia do sistema.
4.4 Críticas acadêmicas contemporâneas
Cerezo Domínguez (UCM, 2022) qualifica a lei de “modelo punitivista de gênero” que “fragiliza o princípio da proporcionalidade”.
Garzón Valdés (UNLP, 2021) denuncia “pena identitária”, incompatível com o art. 14 da Constituição Espanhola.
Luna Martínez (UNAM, 2023) observa que a lei inaugurou a era do “pop-feminismo punitivo, onde o símbolo triunfa sobre a justiça”.
4.5 Jurisprudência relevante e evolução interpretativa
Caso | Tribunal | Tese | Impacto |
---|---|---|---|
STS 99/2016 | Supremo Tribunal | Depoimento único da vítima pode bastar se “coerente e persistente” | Inversão do ônus probatório |
TC Sent. 145/2021 | Tribunal Constitucional | Rechaça alegação de inconstitucionalidade; admite diferenciação penal por “contexto patriarcal” | Consolidação da discriminação positiva penal |
STS 677/2018 | Supremo Tribunal | Amplia conceito de “violência de gênero” para relações ocasionais | Expansão do tipo penal |
4.6 Avaliação de eficácia por organismos internacionais
O Banco Interamericano de Desenvolvimento realizou estudo quasi-experimental sobre os Juizados Especiais de Violência contra Mulheres na Espanha, constatando que a abertura de um tribunal especializado diminui em 67% o tempo de tramitação e aumenta em 28% o volume de denúncias, mas não produz efeitos estatisticamente significativos sobre a incidência de feminicídios.
4.7 Reações sociais e polarização política
Pesquisas CIS 2024 apontam que 48% dos espanhóis consideram a lei “excessiva” e 31% a veem como “necessidade histórica”. A polarização alimenta litigância estratégica e “kafkianiza” o processo.
O partido Vox, em seu programa eleitoral de 2023, propõe “revogar a Lei de Violência de Gênero e qualquer regulamentação derivada da teoria de gênero, que viole a presunção de inocência ou estabeleça exceções judiciais de acordo com o sexo do agressor ou da vítima”.
5 México – LGAMVLV e o punitivismo interseccional
5.1 Contexto de aprovação e transformações legislativas
Publicada em 01/02/2007, a LGAMVLV foi impulsionada por recomendações da CEDAW após o Caso Campo Algodonero (femicídios em Ciudad Juárez). A lei estabeleceu coordenação entre União, estados e municípios para prevenir, sancionar e erradicar a violência contra as mulheres.
Em 2019, reformas constitucionais ampliaram a “prisión preventiva oficiosa” para violência familiar, medida criticada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos como violação do princípio de presunção de inocência.
5.2 Estrutura normativa problematizada
- Definições super-elásticas de violência (art. 6.º) – abrangem “assédio midiático” e “omissão afetiva”.
- Órgãos de gênero: Centros de Justicia para las Mujeres com competência administrativa-penal.
- Medidas cautelares: ordens de restrição emitidas por “autoridade administrativa” antes de audiência judicial.
5.3 Dados empíricos atualizados e análise evolutiva
Instituto Igarapé – Retrato da Violência no México (2024):
Indicador | 2006 | 2024 | Variação | Fonte |
---|---|---|---|---|
Denúncias de violência de gênero | 57.000 | 213.000 | +273% | SEGOB |
Arquivamentos por falta de prova | s/d | 62% | – | INEGI |
Mulheres assassinadas (feminicídio) | 1.014 | 3.045 | +200% | SESNSP |
Homens presos provisoriamente | 8.500 | 36.200 | +326% | CNSP |
Taxa homicídios/100mil mulheres | 2,43 | 5,80 | +139% | Secretaría de Saúde |
5.4 Análise por regiões e cidades críticas
O relatório do Instituto Igarapé identifica as cidades mexicanas mais violentas para mulheres:
- Tijuana: taxa de 26,0/100.000 mulheres (2021) vs 17,3/100.000 (2017)
- Cajeme: 104,4/100.000 habitantes (uma das 10 cidades mais violentas do mundo)
- Celaya e Uruapan: também entre as cidades mais perigosas globalmente
5.5 Sistema Nacional e coordenação institucional
A LGAMVLV criou o Sistema Nacional para Prevenir, Atender, Sancionar e Erradicar a Violência contra as Mujeres, envolvendo diversas secretarias de Estado, 32 Mecanismos para o Adelanto das Mulheres e organismos internacionais como ONU Mulheres.
O sistema implementou a “Alerta de Violencia de Género contra las Mujeres” (AVGM), mecanismo que permite intervenção federal em estados com alta incidência de violência.
5.6 Jurisprudência paradigmática e evolução interpretativa
Caso | Instância | Tese | Efeito Sistêmico |
---|---|---|---|
Amparo en Revisión 196/2019 | SCJN | O réu deve provar que não exerceu violência – presunção de culpa mitigada | Inversão ônus probatório |
Tesis Aislada 2a./J. 127/2022 | 2ª Sala | Mantém prisão preventiva oficiosa: “grave ameaça social” | Expansão prisão automática |
Campo Algodonero vs México (2009) | Corte IDH | Estado responsável por não prevenir feminicídios | Base para LGAMVLV |
5.7 Críticas de organismos de direitos humanos
A Comissão Nacional de los Derechos Humanos (CNDH) alertou em 2022 que a reforma de 2019 viola o art. 1.º constitucional (princípio pro persona) ao legitimar prisão automática.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos manifestou preocupação pelas iniciativas de ampliação da prisão preventiva obrigatória, considerando-as contrárias aos princípios que regem sua utilização.
5.8 Custos sociais e econômicos
Relatório DataCívica 2024: perdas de produtividade de US$ 1,2 bilhão/ano devido à ausência laboral decorrente de prisões provisórias sem sentença. O sistema penitenciário opera a 142% da capacidade.
Instituto Belisario Domínguez (2024): análise das principais reformas nas Legislaturas LXIV e LXV mostra expansão contínua do aparato punitivo sem correspondente eficácia preventiva.
6 Guerra híbrida – um modelo explicativo expandido
6.1 Conceituação teórica
Andrew Korybko descreve guerra híbrida como “convergência de instrumentos políticos, jurídicos e narrativos”. A Resolução 492/2023 exemplifica armamento normativo: uma soft‑law doméstica alinhada a agendas externas (UN Women, OEA MESECVI).
6.2 Metodologia da captura normativa
O ciclo operacional da guerra híbrida cultural envolve:
- Capacitação ideológica de magistrados através de cursos obrigatórios
- Implantação de protocolos como parâmetros avaliativos (CNJ emite “selo de cumprimento”)
- Criação de bancos de precedentes que normalizam a nova metodologia
- Monitoramento e controle através de comitês especializados
- Judicialização seletiva de opositores mediante aplicação diferenciada de critérios
6.3 Instrumentos de soft power jurídico
A operação utiliza instrumentos aparentemente técnicos:
- Protocolos interpretativos que alteram hermenêutica sem reforma legal
- Capacitação obrigatória que condiciona progressão na carreira
- Sistemas de monitoramento que criam pressão para conformidade
- Bancos de precedentes que institucionalizam mudanças
- Premios e certificações que incentivam adesão voluntária
7 Fundamentos teóricos da crítica – Hannah Arendt e Thomas Sowell
7.1 O totalitarismo segundo Hannah Arendt
Em “As Origens do Totalitarismo” (1951), Hannah Arendt demonstra que regimes totalitários não usam o terror apenas como meio para alcançar poder, mas como fim em si mesmo. O terror deixa de ser instrumento estratégico e torna-se princípio organizativo do governo.
Arendt identifica que o totalitarismo se baseia em “supostas leis da história” (como o inevitável triunfo da sociedade sem classes) ou “da natureza” (como a inevitabilidade da supremacia racial). No caso do Protocolo CNJ, as “leis da história” são substituídas por “estruturas patriarcais” e “desigualdades sistêmicas”.
7.2 A crítica de Arendt às noções totalizantes
A filósofa adverte que noções totalizantes (“sistemas de opressão”) justificam suspensão de liberdades. O conceito de “machismo estrutural”, embora mediaticamente onipresente, carece de operacionalização empírica e serve para legitimar exceções ao devido processo legal.
7.3 Thomas Sowell e “A Visão dos Ungidos”
Em “A Vision of the Anointed” (1995), Thomas Sowell demonstra que desigualdades complexas não equivalem automaticamente a discriminação estrutural. Sowell identifica um padrão recorrente: quando políticas favorecidas pelos “ungidos” falham, a carga da prova é colocada sobre os críticos para demonstrar com certeza que essas políticas eram as únicas causadoras do agravamento.
7.4 Os dez elementos da “visão dos ungidos” aplicados ao Protocolo CNJ
Segundo Sowell, a “visão dos ungidos” apresenta características específicas aplicáveis ao caso brasileiro:
- Impermeabilidade a evidências empíricas – feedback negativo da realidade é bloqueado
- Senso de superioridade moral – críticos são vistos como “reacionários” ou “machistas”
- Soluções categóricas em vez de incrementais
- Negação da natureza humana como fonte dos problemas
- Busca por culpados externos para fracassos das políticas
- Linguagem preventiva que encerra discussões (“violência de gênero”, “cultura do estupro”)
- Inversão da carga probatória – opositores devem provar inexistência de discriminação
- Ignorância das limitações práticas das soluções propostas
- Perspectiva cósmica que justifica imposição de valores
- Confusão entre mérito e desempenho
8 O mito do “machismo estrutural” – análise conceitual
8.1 Ausência de definição operacional
Embora amplamente difundido, o conceito de “machismo estrutural” carece de definição empírica rigorosa que permita verificação científica. Thomas Sowell e Hannah Arendt alertam para os riscos de noções totalizantes que justificam a suspensão de liberdades fundamentais.
8.2 Diferenciação necessária: desigualdade vs discriminação
Sowell demonstra em “Discrimination and Disparities” que diferenças estatísticas entre grupos podem resultar de múltiplos fatores:
- Fatores culturais: valores, tradições, expectativas familiares
- Fatores geográficos: distribuição territorial, acesso a recursos
- Fatores temporais: idade das populações, momento histórico
- Fatores demográficos: composição etária, estrutura familiar
- Fatores de capital humano: educação, experiência, habilidades
8.3 A falácia da composição aplicada às estatísticas de gênero
A presença de desigualdades estatísticas não comprova automaticamente a existência de discriminação sistemática. Múltiplas variáveis interagem para produzir resultados diferenciados, sendo necessário controle rigoroso de variáveis para estabelecer causalidade.
9 Casos emblemáticos – linchamento mediático e destruição reputacional
9.1 Padrão brasileiro de “justiça social”
9.2 Paralelos internacionais
Estados Unidos – “A Rape on Campus” (2014): Rolling Stone publicou reportagem posteriormente desmentida sobre estupro em universidade. A revista foi condenada a pagar US$ 3 milhões em indenização.
México – Caso José Armando P. (2022): Jovem passou 8 meses preso provisoriamente por “violência familiar”. Vídeo posterior provou sua inocência.
9.3 Síntese Bernardiniana: verdade performática vs fato provado
O denominador comum é o triunfo da verdade performática sobre o fato provado. A “narrativa” torna-se mais relevante que a evidência empírica, caracterizando o que Pascal Bernardin denomina “tecnocracia igualitarista”.
10 PDL 89/2023 – freio de arrumação democrático expandido
10.1 Fundamentação constitucional
O PDL 89/2023 susta a Resolução 492/2023 por exorbitância regulamentar. A Constituição (art. 49, V) confere ao Congresso o poder de sustar atos que exorbitem o poder regulamentar.
10.2 Situação legislativa atual (julho 2025)
Câmara dos Deputados:
- CCJ: Parecer favorável da dep. Bia Kicis aprovado em 25/06/2025
- Plenário: pedido de urgência protocolado por 193 deputados
- Situação: Pronto para pauta na CCJC
Senado Federal: Sen. Eduardo Girão anunciou PDL correlato
10.3 Argumentação jurídica do parecer
A relatora Dep. Bia Kicis fundamentou o parecer em três eixos:
- Exorbitância regulamentar: CNJ não tem competência para criar obrigações processuais
- Violação ao devido processo: inversão do ônus probatório
- Afronta ao princípio da imparcialidade: juiz não pode ter “perspectiva” prévia
10.4 Posicionamentos institucionais
Favoráveis ao PDL:
- Comissão de Constituição e Justiça da Câmara
- 193 deputados signatários do regime de urgência
- Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (parcialmente)
Contrários ao PDL:
- OAB – Comissão Nacional da Mulher Advogada
- IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família
- Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
10.5 Análise dos argumentos contrários
A OAB alega que “sustar os efeitos da Resolução 492 do CNJ é dizer às mulheres que elas não têm direito à igualdade de chances”. Este argumento confunde igualdade formal (isonomia processual) com igualdade material (resultado distributivo).
O contraditório e a ampla defesa não são obstáculos à justiça, mas garantias da justiça. Ferrajoli demonstra que garantias processuais protegem inocentes de todos os gêneros.
11 Dimensão internacional – organismos multilaterais e captura normativa
11.1 ONU Mulheres e a Agenda 2030
O Protocolo CNJ alinha-se explicitamente ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) n. 5 da Agenda 2030 da ONU: “alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”. Este alinhamento subordina o ordenamento jurídico nacional a diretrizes internacionais não vinculantes.
11.2 Corte Interamericana e o Caso Márcia Barbosa
A sentença da Corte IDH no Caso Márcia Barbosa de Souza vs. Brasil (2021) determinou que o Estado brasileiro implementasse protocolos de investigação com perspectiva de gênero. O CNJ utilizou esta decisão para justificar a Resolução 492/2023, expandindo competências além do determinado pela Corte.
11.3 Mecanismo de Seguimiento de la Convención de Belém do Pará (MESECVI)
O MESECVI monitora o cumprimento da Convenção de Belém do Pará pelos Estados-parte. Suas “recomendações” técnicas convertem-se em pressão política para adoção de medidas específicas, incluindo protocolos judiciais.
12 Riscos sistêmicos – projeção 2030 expandida
12.1 Cenários probabilísticos
Eixo | Risco Primário | Probabilidade | Consequência previsível |
---|---|---|---|
Processo penal | Inversão probatória generalizada | Alta | Lawfare sistemático em litígios familiares |
Sistema prisional | Superlotação crítica | Alta | +58.000 presos provisórios (projeção Depen) |
Confiança institucional | Erosão acelerada | Média-Alta | Pesquisa Datafolha proj. 21% confiança 2030 |
Liberdade expressão | Autocensura preventiva | Alta | Jornalistas evitam críticas sob risco penal |
Jurisdição constitucional | Relativização garantias | Média | STF valida exceções ao devido processo |
12.2 Efeitos de segunda ordem
Migração de capital humano: Profissionais qualificados evitam áreas de risco jurídico elevado.
Infantilização social: Thomas Sowell demonstra que proteções paternalistas reduzem capacidade de autodefesa dos grupos “protegidos”.
Balcanização jurídica: Criação de subsistemas processuais diferenciados por identidade.
12.3 Análise comparativa internacional
Países que implementaram sistemas similares mostram padrões preocupantes:
- Espanha: 48% da população considera a lei “excessiva” após 20 anos
- México: Aumento de 200% nos feminicídios apesar da LGAMVLV
- Argentina: Polarização social extrema em temas de gênero
13 Alternativas garantistas – reconstrução do sistema
13.1 Modelo ferrajoliano adaptado
Luigi Ferrajoli propõe sistema baseado em três pilares:
- Modelo normativo: Direito como limite ao poder, não instrumento de engenharia social
- Teoria jurídica: Distinção clara entre validade, efetividade e existência das normas
- Filosofia política: Justificação externa do direito baseada em bens e interesses objetivos
13.2 Princípios de reconstrução
Legalidade estrita: Eliminação de conceitos vagos como “perspectiva de gênero”
Isonomia processual: Critérios probatórios uniformes independentes de identidade
Presunção de inocência: Vedação absoluta de inversão do ônus probatório
Contraditório pleno: Direito irrestrito à ampla defesa
Imparcialidade: Juiz sem “perspectiva” prévia sobre o caso
13.3 Medidas legislativas corretivas
- Aprovação do PDL 89/2023: Sustação imediata da Resolução 492/2023
- Lei de Garantias Processuais: Codificação dos princípios ferrajolianos
- Reforma do CNJ: Limitação de competências regulamentares
- Capacitação garantista: Formação obrigatória em garantias constitucionais
- Auditoria de protocolos: Revisão de todos os protocolos vigentes
14 Conclusão expandida
14.1 Síntese da análise comparada
A análise comparada demonstra que o Protocolo de Gênero do CNJ reproduz padrões dogmáticos da Escola de Kiel e dos experimentos punitivistas espanhol e mexicano. Três elementos estruturais conectam essas experiências:
- Subordinação do fato à identidade do envolvido
- Inversão de presunções processuais fundamentais
- Criação de jurisdições especializadas com critérios diferenciados
14.2 O paradoxo da proteção pela punição
Longe de representar avanço civilizatório, o protocolo simboliza a tendência global ao punitivismo identitário. O paradoxo reside na tentativa de proteger direitos através da violação de garantias: protege-se a mulher como categoria abstrata sacrificando garantias processuais concretas que protegem todos os cidadãos.
14.3 A urgência do PDL 89/2023
O PDL 89/2023 surge como última válvula institucional para evitar a consolidação de uma justiça de exceção permanente. A aprovação do projeto é condição necessária, embora não suficiente, para preservação do Estado de Direito no Brasil.
14.4 Reflexão final: o preço da utopia
Hannah Arendt observa que regimes totalitários prometem paraísos terrestres através da eliminação de conflitos inerentes à condição humana. O Protocolo CNJ, ao prometir eliminação do “machismo estrutural” através da relativização de garantias processuais, reproduz essa lógica utópica.
Thomas Sowell demonstra que “a visão dos ungidos” sempre encontra justificativas para seus fracassos, transferindo responsabilidade para fatores externos. Quando o Protocolo CNJ falhar em reduzir a violência doméstica, a culpa será atribuída à “resistência machista” do sistema, justificando medidas ainda mais restritivas.
Luigi Ferrajoli adverte: “Fora da legalidade estrita, há apenas poder arbitrário” – arbitrariedade que, na história, sempre terminou em tragédia.
A escolha é clara: ou restauramos as garantias processuais através do PDL 89/2023, ou assistimos à consolidação de um direito penal identitário que transformará a justiça brasileira em instrumento de engenharia social autoritária.
Referências Expandidas
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