As Medidas Protetivas de Urgência (MPUs), criadas pela Lei n.º 11.340/2006, popularmente conhecida como a Lei Maria da Penha, surgiram como instrumentos de proteção à mulher em situação de violência doméstica. No entanto, como qualquer ferramenta jurídica, sua eficácia e justiça dependem do uso criterioso e equilibrado. Quando mal interpretadas ou mal utilizadas, tornam-se fontes de grave insegurança jurídica — sobretudo para os homens, que hoje enfrentam uma crescente vulnerabilidade diante de sua aplicação desvirtuada.
É preciso dizer com clareza: o que deveria proteger, frequentemente, vem sendo usado como mecanismo de retaliação, tomada de vantagem ou chantagem emocional em disputas conjugais, patrimoniais ou mesmo empresariais. Não são poucos os casos em que um homem é sumariamente afastado de seu próprio lar, impedido de utilizar seus veículos ou, mais grave ainda, expulso da empresa da qual é sócio ou proprietário, em razão de medida protetiva deferida com base exclusivamente em alegações frágeis — e, muitas vezes, sem sequer ser ouvido previamente.
Essa realidade nos coloca diante de uma nova forma de posse injusta: não aquela que se constrói pela força ou violência, mas aquela que se impõe por via judicial, sob o manto da legalidade, mas sem a devida prudência. É o caso, por exemplo, de um homem impedido de acessar sua empresa após a ex-companheira — também sócia — ter requerido uma MPU alegando desconforto emocional. O Judiciário, em decisão liminar, afasta o sócio do ambiente de trabalho, e, de um dia para o outro, ele se vê destituído de sua própria fonte de sustento. Essa ruptura, na opinião deste que vos escreve, viola frontalmente o direito de propriedade (art. 5º, XXII, CF), o direito à liberdade de locomoção (art. 5º, XV, CF) e, acima de tudo, o devido processo legal (art. 5º, LIV e LV, CF).
É verdade que o Estado deve agir com firmeza diante de situações de violência. Porém, o que se observa é que a concessão de MPUs vem se tornando automática, padronizada, às vezes com fundamentações genéricas e sem exame suficiente de elementos de prova. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2022, mais de 70% dos processos de violência doméstica incluíam medidas protetivas. Mas a estatística, embora reflita a urgência da proteção, também nos obriga a questionar: estamos investigando com a mesma seriedade os casos de abuso no uso dessas medidas?
No entanto, veja-se:
O Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece a importância das Medidas Protetivas de Urgência (MPUs) previstas na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) como instrumentos essenciais para a proteção de vítimas de violência doméstica. Contudo, o Tribunal também enfatiza que a aplicação dessas medidas deve respeitar os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, especialmente o direito de propriedade (art. 5º, XXII), o direito à liberdade de locomoção (art. 5º, XV) e o devido processo legal (art. 5º, LIV e LV).
Na prática, porém… Mas, seguimos em frente… Quanto aos:
1. Direito de Propriedade (Art. 5º, XXII, CF):
O STF entende que o direito de propriedade é uma garantia constitucional que pode ser relativizada em situações excepcionais, como nos casos de violência doméstica. Entretanto, qualquer restrição deve ser proporcional e fundamentada. Em decisões relacionadas à Lei Maria da Penha, o Tribunal tem considerado legítimo o afastamento do agressor do lar comum como medida protetiva, desde que haja indícios suficientes de risco à integridade da vítima. Essa medida, embora interfira no direito de propriedade, é vista como necessária para preservar direitos fundamentais da vítima, como a vida e a segurança.
2. Direito à Liberdade de Locomoção (Art. 5º, XV, CF):
O STF reconhece que a imposição de medidas protetivas pode restringir a liberdade de locomoção do acusado, como no caso de ordens de afastamento ou proibição de contato com a vítima. Tais restrições são consideradas legítimas quando fundamentadas em elementos que indiquem risco real à vítima. No entanto, o Tribunal ressalta que essas medidas devem ser aplicadas com cautela, evitando abusos que possam transformar o processo penal em instrumento de punição antecipada, contrariando o princípio da presunção de inocência.
3. Devido Processo Legal (Art. 5º, LIV e LV, CF):
O devido processo legal, que engloba o contraditório e a ampla defesa, é um princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro. O STF tem decidido que, em casos de urgência, é admissível a concessão de medidas protetivas sem a oitiva prévia do acusado, desde que haja posterior oportunidade para que este exerça sua defesa. O Tribunal enfatiza que a ausência de contraditório prévio deve ser a exceção, justificada por circunstâncias que demandem intervenção imediata para proteger a vítima.
Conclusão:
O STF equilibra (ou pelo menos tenta equilibrar) a necessidade de proteger vítimas de violência doméstica com a preservação dos direitos fundamentais dos acusados. A Corte reconhece a legitimidade das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha, desde que sua aplicação respeite os princípios constitucionais, evitando excessos que possam resultar em violações aos direitos de propriedade, liberdade de locomoção e devido processo legal. Contudo, o impacto social dessas decisões tem sido, na melhor das hipóteses, completamente desastroso, sobretudo àqueles cidadãos vítimas de falsas acusações.
Há que se reconhecer, muitos homens estão sendo colocados em posição de extrema fragilidade. Eles não apenas perdem o direito de convivência com os filhos ou o acesso à moradia, mas também são privados de bens essenciais, como automóveis, equipamentos de trabalho e, em alguns casos, do próprio vínculo com a sua atividade econômica. E tudo isso ocorre antes mesmo de haver qualquer condenação, ou mesmo contraditório efetivo.
O Direito dos Homens não pode ser um tabu. Defender o uso criterioso das MPUs não é negar a violência contra a mulher — é, sim, reivindicar justiça e equilíbrio. A função social da propriedade, a presunção de inocência e o direito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) valem para todos, independentemente do gênero.
Ademais, nenhuma Lei, por mais importante que pareça, deveria suplantar a nossa Carta Magna, e isso inclui os Tratados Internacionais. Na prática, porém, não é o que tem acontecido, sobretudo, pelo que nossos legisladores têm feito no sentido de ampliar o raio de ação da Lei Maria da Penha, provavelmente mais preocupados com o próximo pleito eleitoral do que com os efeitos desastrosos que a elaboração apressada de certos dispositivos legais pode causar, inclusive, na vida de muitas das verdadeiras vítimas da violência doméstica que, conforme já é de conhecimento geral, acabam sendo assassinadas sem a proteção do Estado.
Além disso, é fundamental observar os avanços de outros países no tratamento desse tipo de conflito. Na Alemanha, por exemplo, decisões que afastam pessoas de suas residências ou locais de trabalho são obrigatoriamente revisadas em prazos curtos e exigem maior robustez probatória. Nos Estados Unidos, o uso de restraining orders em contextos civis ou familiares passa por um escrutínio mais intenso, com risco de responsabilização por abuso de processo. O Brasil ainda carece dessa maturidade institucional no enfrentamento de medidas protetivas usadas como ferramentas de lawfare.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).
Supremo Tribunal Federal. Informativo STF nº 865. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo865.htm. Acesso em: 7 jun. 2025.
Conjur. Decisão do STF e o direito penal do inimigo na Lei Maria da Penha. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-jun-02/decisao-do-stf-e-o-direito-penal-do-inimigo-na-lei-maria-da-penha/. Acesso em: 7 jun. 2025.